sábado, 8 de agosto de 2015

A caminho da Diskotopia


“There must be a hundred records with voice-overs asking, “What is house?” The answer is always some greeting card bullshit about “life, love, happiness”. House is not universal. House is hyper-specific. The contexts from which the deep house sound emerged are forgotten: sexual and gender crises, transgendered sex work, black market hormones, drug and alcohol addiction, loneliness, racism, HIV, ACT-UP, Tompkins Square Park, police brutality, queer-bashing, underpayment, unemployment and censorship – all at 120 beats per minute.”

“Midtown 120 Intro”, DJ Sprinkles

No magistral “Midtwon 120 Blues”, de 2009, DJ Sprinkles (alter ego de Terre Thaemlitz, ilustre residente no Japão) oferece um tratado sobre o “deep house” como música que deve mais ao espírito dos “blues” do que do “disco”, ou seja, mais à “tristeza” do que à “celebração”, ao mesmo tempo que recupera aquilo que Thaemlitz considera serem as origens da música que, nos últimos 20 anos, foi objecto de um raro processo de banalização e destruição.

Por mais pessoal que seja (e é) a apresentação que Thaemlitz faz do significado original do “deep house”, há uma ideia que me parece facilmente acatada de modo mais universal, e que poderá ser transposta para a restante (boa) música electrónica que é feita para ser ouvida nos (bons) clubes nocturnos: transgressão.

Sem violações, ou violências, a desobediência que a boa música propõe diz respeito ao esquecimento de géneros e fronteiras, de diferenças, convocando todas as partes e mais algumas para pisarem o mesmo chão a que chamam “pista de dança”, entendido, sobretudo, como um espaço de liberdade.
Enquanto que os mais fiéis depositários do espírito original empenham-se com afinco em identificar novos limites para ultrapassar, os outros (uma maioria omnipresente) comprometem-se a vulgarizar os já de si lugares mais do que comuns, respondendo, como na epígrafe ali em cima, com o deslumbramento dos néscios aos mistérios desta vida de festas e de “gente gira”, de sorrisos fixos, olhares irrequietos e palavras mudas.

Nos últimos tempos, a “discoteca da utopia” tem sido bem alimentada por um núcleo duro de editoras que lançam discos com a convicção de missionários: 100 % Silk, Not Not Fun ou Hippos in Tanks são apenas alguns dos nomes essenciais da nova música electrónica. Como não podia deixar de ser, o Japão faz parte deste mapa de novas sonoridades, onde há uma paragem obrigatória em Tóquio: a Diskotopia.

Nascida de um colectivo de DJ, em 2005, a Diskotopia tornou-se numa editora no final de 2010. Gerida por dois expatriados, o norte-americano Matt Lyne (A Taut Line) e o britânico Brian Durr (BD1982), e pela DJ japonesa Am Rhein, a Diskotopia tem um catálogo que, ainda curto, já prima pelo ecletismo e onde cabem house, techno, sonoridades cósmicas e hipnagógicas, hi-fi, lo-fi, soul, bass, o novo e o velho, o século XX e os séculos todos daí em diante.

Na mais recente edição da Diskotopia, o EP “Sketches of the Other Tokyo”, de Fujimoto Tetsuro, lançado no último mês de Fevereiro, oferece-se uma nítida visão futurista do passado – hip hop, R&B, jazz, UK garage, tudo é chamado para esta espécie de “neo-soul” intimista que tem em Jimmy Edgar guru espiritual, movimentos lentos, mas firmes, e vozes que nos deixam a impressão de traços da caligrafia japonesa, esguias e sensuais, recebendo-nos com agrado à entrada da discoteca da utopia. Enjoy, segredam-nos.


Publicado no jornal Hoje Macau no dia 22 de Março de 2013 

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