“Acha que a sua memória é boa? Recorda-se de
muitos detalhes? Qual é a sua lembrança mais antiga?” Estas perguntas são as
três primeiras de cinquenta que fazem parte de um questionário distribuído um
pouco por toda a China, mas sobretudo em Pequim, entre Dezembro do ano passado
e o último mês de Fevereiro. Não se trata de um estudo académico, ou sequer de
uma pesquisa científica patrocinada pelo governo central, nem muito menos de
uma espécie de censos de uma qualquer brigada de fiscais da recordação ou de
cobradores de lembranças. Não. Trata-se do projecto “The Execution of Precious
Memories”.
A convite do Goethe-Institute China, Blixa
Bargeld (fundador dos Einstürzende Neubauten e ex-guitarrista dos Bad Seeds, a
banda de Nick Cave) leva agora à capital chinesa um projecto que começou em
Berlim, em 1994, e que passou por cidades como Tóquio, Buenos Aires, Estocolmo,
Yaoundé, Londres, Nova Déli ou São Francisco. Em todos os lugares, sempre os
mesmos métodos e objectivos: primeiro, são distribuídos, por vários meios,
questionários na língua local, sendo depois devolvidos com o máximo de
informação possível – anonimato garantido –, sendo que os dados serão
processados por Blixa Bargeld, o principal responsável por um processo de “transformação
poética” que , na fase de apresentação ao público, conta com a cumplicidade de
artistas locais, sobretudo músicos. Em Pequim, estão agendados dois concertos
relativos a este projecto, hoje, dia 15, e amanhã, no 9 Theater.
Nesta edição chinesa de “The Execution of
Precious Memories”, Blixa Bargeld (residente de Pequim durante sete anos) vai
ter como matéria prima informação relativa às memórias de cerca de 200
chineses, que serão representadas num espectáculo que combina música e
performance.
Conforme se explica na página pessoal de Blixa, “The Execution of Precious Memories” parte da noção de que “a memória pinta com um pincel dourado”, provérbio chinês que, desde o início, serve de mote ao projecto.
Conforme se explica na página pessoal de Blixa, “The Execution of Precious Memories” parte da noção de que “a memória pinta com um pincel dourado”, provérbio chinês que, desde o início, serve de mote ao projecto.
Ou seja, existe a premissa teórica de que as memórias,
guardadas por todos como “preciosas”, podem ser ficcionadas e não são apenas “o
resultado imparcial da gravação de percepções sensoriais”.
Na verdade, explica-se, “por si só, o registo
das impressões sensoriais é já uma falsificação da realidade, dependendo dos
interesses e preferências específicos de cada indivíduo”. Mais, “processar a
percepção da memória de cada pessoa apenas aumenta a probabilidade de que as
recordações sejam objecto de ficção”. “Como diz o provérbio chinês, o que temos
percepcionado torna-se ficcionado, sofre um processo de embelezamento, e só
então as memórias passam a existir e a ser preciosas”.
Dos espectáculos que já se realizaram e dos
quais se guardaram registos, “The Execution of Precious Memories” oferece uma
síntese intensa das expressões que não são estranhas a quem acompanha com maior
ou menor afinco o trabalho de Blixa Bargeld: poesia, gritos, silêncios, teatro,
música e dança, tudo fazendo parte da trama em que através do que os outros
pensam que pensam pensamos o que pensamos – uma espécie de mirada num espelho
embaciado e distorcido no qual procuramos o reflexo da transparência
subliminar, sabendo de antemão que o projecto raia o impossível. Mas, mesmo
assim, não conseguimos desviar o olhar. Assim seja.
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