“A case of the past catching up with the
futurists”, resume, exemplarmente, o jornal inglês The Guardian. Foi notícia na
semana passada: os Kraftwerk, o histórico grupo alemão de música electrónica
(que, em larga medida, tal como a conhecemos hoje, foi por eles “inventada” no
início da década de 1970), viram o ministério da Cultura da China rejeitar os
pedidos de vistos para actuarem como cabeças de cartaz no festival de música
“Strawberry”, agendado para o final deste mês, em Pequim e em Xangai, porque,
em 1998, constavam da lista de bandas previstas participarem num concerto de
angariação de fundos para a causa tibetana (“Free Tibet”), em Washington, nos
Estados Unidos. Devido a uma forte tempestade, o espectáculo na capital norte-americana
nunca chegou a realizar-se, mas isso não demoveu os censores chineses.
A revelação de que o quarteto alemão é
considerado “persona non grata” na República Popular foi feita à France Press
por um responsável da editora de Pequim Modern Sky (organizadora do festival),
que falou à agência noticiosa sob a condição de anonimato.
O Global Times, um dos jornais oficiais
chineses em língua inglesa, avançou que a banda britânica Travis vai encabeçar
o alinhamento do “Strawberry” em substituição dos Kraftwerk, preteridos por
“razões políticas” que o diário não especifica. No mesmo jornal, com uma
franqueza de apreciar, aparece citado um executivo da Modern Sky, Zang Keyu, a
dizer que “não estamos 100 por cento confiantes em ter os Travis como banda
principal, mas é um facto que temos que aceitar”.
Os Kraftwerk, e o público que, em vez deles,
vai levar com os irritantes Travis, são apenas as mais recentes vítimas da
truculência censória do regime chinês. Nesta história, o festival “Strawberry”
é repetente no papel de vítima depois de, em 2011, ter sido cancelado porque,
nesse mesmo ano, na cidade de Suzhou, província de Jiangsu, nas mensagens
enviadas pelo público que eram projectadas numa grande tela atrás do palco
apareceu o nome de Ai Weiwei. O músico Zuoxiao Zuzhou, responsável pela façanha
que evocou o artista proibido, foi temporariamente detido.
Na China, pior do que referências ostensivas a
Ai Weiwei em público, só mesmo proclamar a independência do Tibete. O
“incidente” que fez redobrar a atenção das zelosas autoridades teve como
protagonista a islandesa Björk. Em 2008, num concerto em Xangai, gritou “Tibet!
Tibet!” no final da canção “Declare Independence”. O caso mereceu um comentário
do ministro chinês da Cultura, Cai Wu, para quem “o espectáculo político não só
violou as leis e regulamentos chineses, como também magoou os sentimentos do
povo chinês, além de ter violado o código profissional de um artista”.
Mais recentemente, depois de Elton John ter
dedicado, em Novembro passado, um concerto em Pequim a Ai Weiwei, Cai Wu voltou
à carga e, de acordo com algumas fontes, terá defendido que, no futuro, apenas
estrelas com cursos universitários deveriam ser autorizadas a actuar na China.
Licenciados ou não, o certo é que, na maioria,
os músicos com hipóteses de tocarem na China têm a lição bem aprendida. Elton
John que o diga. Interrogado pela polícia depois do concerto de Pequim,
conta-se que as autoridades pediram ao “manager” do popular artista que este
assinasse uma declaração afirmando que a dedicatória do concerto a Ai Weiwei se
devia apenas à admiração pela obra do chinês. Mas a paranóia continua.
Liz Tung, editora da revista Time Out Beijing,
conta ao Guardian que os organizadores dos concertos dos canadianos Godspeed
You! Black Emperor em Pequim e Xangai tiveram problemas com o facto de a banda
ter a palavra “God” no nome.
Enquanto isso, em Março, actuaram na China sem
quaisquer problemas os Gang of Four, a lendária banda do pós-punk britânico que
foi buscar o nome ao “Bando dos Quatro”, o grupo considerado uma das maiores
“forças contra-revolucionárias” pelo regime comunista chinês. E o que dizer do
concerto de John Lydon e dos seus P.I.L., no último sábado, em Pequim? Aquele
que, em tempos, foi Johnny Rotten, o anarquista com jeito para o negócio que
esteve à frente dos Sex Pistols, censurados na rádio britânica, passeou-se
livremente pela capital chinesa sem que os inspectores mostrassem o mínimo
incómodo com o passado de agitador de massas. “It’s only rock‘n’roll”, de
facto, e mais uma prova da arbitrariedade com que aplicam a censura, uma
prática que apenas expõe a fragilidade de um regime preocupado sobretudo em
preservar as aparências e esconder o quão desfasado da realidade, frágil e
falível é, afinal. Como é mesmo a letra de “Showroom Dummies”?
Os Kraftwerk actuam no próximo dia 13 de Maio, em Hong
Kong, no Kowloonbay International Trade & Exhibition Centre.
Publicado no jornal Hoje Macau no dia 5 de Abril de 2013
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