“Here
she comes,
you
better watch your step”
“Femme Fatale”, Velvet Underground & Nico
No último dia 17 de Janeiro passaram dois anos
desde que morreu Asakawa Maki. Em 2010, a notícia da morte da cantora japonesa
pouco além foi de uma notícia discreta na comunicação social nipónica e também
no resto do mundo pouca ou nenhuma comoção houve pelo passamento da mulher de
quem se disse ter sido um cruzamento entre Billie Holiday e Nico, a impassível
alemã estrela de Andy Warhol e dos Velvet Underground. O silêncio que pesou na
hora morte, no entanto, evidencia um profundo contraste com a tinta que correu
e os suspiros que se ouviram sobre esta mulher quando começou a carreira,
tornando-se, quase de imediato, na coroada “queen of the japanese underground”.
Ao jeito das ‘femmes fatales’ da história da
cultura popular, no Japão, Asakawa Maki tomou com ímpeto a cena ‘avant garde’
que começava a despontar no final da década de 1960, numa altura em que o país
vivia um período de renascimento da indústria musical e as editoras
discográficas ocupavam-se, empenhadas, em reproduzir no país o sucesso
estrondoso de grupos estrangeiros como os Beach Boys ou The Beatles, fabricando
projectos musicais que, esperançosamente, fossem os correspondentes japoneses de
norte-americanos e ingleses. A intensiva produção industrial apontada ao centro
do mercado de massas abriu espaços nas margens e da necessidade de alternativas
surgiu uma nova leva de músicos de cariz experimental e arrojado. No
heterogéneo “bando à parte”, sobressaía Asakawa Maki.
A estreia, em disco, acontece em 1967, com a
edição do ‘single’ “Tokyo Banka/Amen Jiro”. Por esta altura, a “dama de negro”
(Asakawa Maki ficaria para sempre conhecida pela invariável indumentária de cor
preta e pelos infindáveis cigarros que a envolviam numa nuvem de fumo) atrai a
atenção de Shuji Terayama, figura seminal da contra-cultura da época,
dramaturgo, poeta, fotógrafo e realizador de cinema.
Em 1968, Asakawa Maki começa a aparecer, com
destaque, nas produções de teatro experimental da trupe de Terayama e
rapidamente é alcandorada a ícone da emergente cultura da “nova esquerda”.
Em 1970, é publicado “Asakawa Maki no Sekai”,
o primeiro longa-duração de Asakawa Maki. O álbum transpunha para as doze
canções o ambiente que se esperava de um clube de jazz ‘noir’ fora de horas. O
piano marca o compasso, as escovas arrastam o ritmo e a voz de Asakawa Maki
irrompe, penetrante, de veludo, seduzindo com a sua terna melancolia. Na
maneira de cantar percebiam-se mundos e tradições que iam das divas do jazz ao
blues, passando pela “chanson”, a que Asakawa Maki presta homenagem no disco de
estreia com uma versão de “Tombe La Neige”, de Adamo, cantada em japonês. É
também no primeiro disco que, a certa altura, Asakawa Maki canta, em inglês,
“sometimes I feel like a motherless child”, os versos iniciais que dão título
ao espiritual negro que data do tempo da escravatura nos Estados Unidos, a raiz
dos blues e de tudo o mais que veio a seguir.
Até meados dos anos 1990, Asakawa Maki continuou
a gravar discos e a colaborar com diversas figuras do mundo da música japonesa,
entre as quais Ryuichi Sakamoto. Mas aquilo que Asakwa Maki mais gostava de
fazer, e que fez até ao último dia, era dar concertos, de preferência em salas
acolhedoras e intimistas.
Nos últimos anos de vida, foram muitos os
espectáculos na sala Pit Inn, em Shinjuku, um dos distritos de Tóquio onde
Asakawa Maki tinha as suas raízes e onde viva sozinha. A morte, todavia,
encontrou-a, aos 67 anos, num hotel da cidade de Nagoya. Era domingo. Naquela
noite, a “dama de negro” iria dar o seu terceiro concerto do fim-de-semana, mas
o coração não aguentou mais e calou-se. Para sempre.
Publicado no jornal Hoje Macau no dia 20 de Janeiro de 2012
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