“No final dos anos 70, Nova Iorque era o sítio
ideal para dizer ‘não’. A cidade transformara-se num extenso terreno baldio,
especialmente os bairros da baixa, abandonados, onde se vivia de praticamente
nada.” É esta a descrição, sucinta, do ambiente que gerou o movimento No Wave.
Vem no livro de Marc Masters, “No Wave” (2007), sobre o período fugaz que
juntou músicos e demais artistas, do blues ao punk, passando pelo avant-garde e
a experimentação, todos em uníssono na rejeição à New Wave reinante.
O niilismo militante dos Suicide, Glenn
Branca, The Lounge Lizards, Lydia Lunch ou dos Sonic Youth ainda hoje intriga
os investigadores da história da música.
Na essência, o No Wave era um anti-movimento e
uma contradição virada para múltiplas direcções, tantas quantas as que lhe
deram origem. Disperso por natureza, cedo se dissipou nos fumos das chaminés
industriais e nas poeiras levantadas pelo “noise” maquinal, mas a verdade é que
os efeitos do No Wave galgaram as margens do tempo e do espaço.
A música industrial e o “noise” foram as
consequências mais imediatas da influência do “underground” nova-iorquino, que
também deixou marcas no cinema, noutras artes e noutras partes. Pequim, por
exemplo.
Quase 30 anos depois, em pleno século XXI, o
centro do “socialismo de características chinesas” (no jargão oficial e
oficioso) serviu de pano de fundo para uma reencenação da aventura vivida na
“Big Apple”.
Em 2005, na capital chinesa, foi posto à venda
um CD, duplo, com uma fotografia do fosso que guarda as muralhas da Cidade
Proibida. “No Beijing”, dizia o título acompanhado por quatro nomes: White-2j,
Snapline, The Gar, Carsick Cars. São as quatro bandas iniciais de uma cena que
despontou em força e que levou a uma internacionalização de músicos chineses
sem precedentes.
Depois do disco “No Beijing”, o “bando dos
quatro” passou a ocupar o palco do D-22, o clube referência da cena “indie” e
alternativa de Pequim. Não tardou a que outras bandas se juntassem (AV Okubo,
Joyside) e também não passou muito tempo até que os proprietários do D-22 se
apercebessem de que estava na altura de criar uma editora. Assim nasceu a Maybe
Mars. Lançou os discos destas bandas e, em 2009, levou-as em digressão pelos
Estados Unidos. A “Indie China” foi notícia de destaque no New York Times, na
Esquire e até na Foreign Policy, onde Matthew Niederhauser publicou um
excelente ensaio fotográfico que documenta “o outro lado do ‘boom’ urbano da
China”.
Niederhauser chegou a Pequim, em 2007, para
trabalhar num projecto sobre desenvolvimento urbano e a nova arquitectura, mas
acabou por passar o tempo nos bastidores do D-22. Foi aí que, durante dois
anos, retratou as figuras do novo rock chinês.
Em entrevista ao Washington Post por alturas
da digressão americana dos “rockers” chineses e a propósito da sua exposição e
livro, "Sound Kapital: Beijing's Music Underground”, o fotógrafo respondeu
a uma pergunta do incrédulo repórter sobre a mera existência de um movimento
rock “underground” numa capital comunista explicando que “os tubarões de Pequim
têm mais com que se preocupar do que 80 miúdos aos saltos num clube.” Miúdos
que, segundo Niederhauser, estão longe da geração de Tiananmen e não pedem
revoluções, apenas a liberdade de um estilo de vida alternativo à sociedade de
consumo que toma conta de Pequim e da China. No fundo, apenas liberdade de
dizer “não”.
Publicado no Hoje Macau no dia 27 de Maio de 2011
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