Tal como o original No Wave nova-iorquino, 30
anos antes, o movimento No Beijing convocou as diferenças como denominador
comum entre as hostes musicais. No entanto, à semelhança dos estados
igualitários onde "uns são mais iguais do que outros", também aqui
cedo se percebeu que "uns eram mais diferentes do que outros".
Do inicial "bando dos quatro"
(White-2j, The Gar, Carsick Cars e Snapline), e pesando embora toda a energia
criativa que proliferava, a que se juntava a heterogeneidade própria da
natureza do "grupo", os mais originais e "diferentes", de
forma destacada, sempre foram os White-2j (entretanto transformados em White+).
Na nova música chinesa, ainda hoje, passados
seis anos depois da apresentação ao mundo do No Beijing, através do lançamento
do disco homónimo repartido pelas quatro bandas, os White+ continuam a ser um
caso raro de experimentalismo avant-garde em "flirt" constante com os
formatos aceites pela cultura popular, criando um universo simultaneamente
acessível e distante, um universo onde o criador dá pelo nome de Zhang
Shouwang.
Conta-se que, certa noite, Michael Pettis
(antigo banqueiro de Wall Street, professor universitário em Pequim, dono do
clube D-22 e da editora Maybe Mars) avistou um jovem chinês num bar da capital
vestido com uma T-shirt dos Velvet Underground. O norte-americano meteu
conversa e descobriu que o seu interlocutor chamava-se Zhang Shouwang e que era
um guitarrista com a mente aberta para muitas e diferentes sonoridades. A
empatia entre Pettis e Zhang foi imediata – o homem que se fartou dos jogos da
alta finança pressentiu o valor do talento em estado bruto e ofereceu a Zhang uma
guitarra Gibson SG. O episódio vem relatado na New Yorker e o resto, como se
diz, é história.
Foi ainda em 2004 que Zhang Shouwang (ou Jeff
Zhang) criou o nome White para designar os vários projectos onde deu azo às
suas tendências experimentadoras.
No início de 2005, Zhang formou os White No.1,
um septeto de tributo a uma das suas maiores influências, o compositor e
guitarrista norte-americano Glenn Branca, pioneiro em “afinações alternativas”
e explorador do minimalismo e repetição aplicados às seis cordas de uma
guitarra eléctrica. A admiração teria reciprocidade logo um ano depois, quando
Zhang viajaria até Nova Iorque para fazer parte da gravação de uma peça de
Branca, a sinfonia número 13, “Hallucination City”, composta para ser tocada
por uma centena de guitarristas.
No mesmo ano em que Zhang Shouwang formou os
White No.1 nasceram também os White-2j, que, pouco tempo depois, seriam apenas
White. Neste projecto, Zhang teve como cúmplice a baterista dos Hang on The
Box, Shen Jing, uma parceria que duraria até ao Verão de 2010, altura em que
Shen deu lugar a Wang Xu, baterista dos The Gar, uma das quatro bandas
fundadoras do No Beijing. 2005 foi também o ano em que Zhang fundou os Carsick
Cars, mas essas são contas de um outro rosário.
As mudanças constantes dos colaboradores de
Zhang e até as próprias alterações ao nome do projecto podem ser entendidas como
consequência do pulsar vibrante e da urgência criativa que está condensada naquele
que, até ao momento, é o único disco assinado com o nome White. Foi em 2009.
O álbum, “White”, com selo Maybe Mars, foi
gravado em Berlim, onde Zhang e Shen tiveram a ajuda de Blixa Bargeld, lenda
viva da música, mentor dos Einsturzende Neubauten e ex-Bad Seed de Nick Cave.
Bargeld foi o produtor dos 13 temas que revelam o carácter multifacetado da
dupla White e das suas diversas influências – dos padrões minimais de Steve
Reich até aos mestres chineses clássicos, passando pelos ritmos maquinais do
“industrial” –, sempre com uma atitude “rock’n’roll”, feroz e agressiva, mas
sedutora.
A abrir o disco, ouvimos, em “Space Decay”, o
zumbido do fantasma Suicide a voar pelos céus de Pequim; “Build a Link” e “47
Rockets” são revisitados por Laurie Anderson; “Spring House” traz o crescendo
ilusório das guitarras de Glenn Branca e
“Conch Crunch” dilata a veia “noise” e industrial, à boa (e velha)
maneira dos alemães Einsturzende Neubauten.
Todas as influências díspares congregadas por
White acabam por fazer sentido juntas, dada a organização e arrumação que
percebemos existir por detrás da aparente espiral caleidoscópica e na animação
da força centrípeta de uma música que parece decidida a mover-nos com a energia
de um organismo vivo, mutante e em permanente evolução.
Sabemos que, no Oriente, a cor branca
representa tristeza e luto, ao contrário do Ocidente, onde o branco tem
conotações mais positivas. No entanto, universal é o que qualquer enciclopédia
nos diz sobre a cor branca: a junção de todo o espectro de cores; aquela que
reflecte todos os raios luminosos, não absorvendo nenhum e, assim, surgindo
como clareza máxima. Podia ser esta, também, a definição da missão que Zhang
Shouwang deixa entrever que persegue na sua obra e actividade: haja luz, muita
luz, mesmo que esta tenha que vir por caminhos misteriosos e insondáveis.
Publicado no dia 3 de Junho de 2011
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