Em todo o lado, a toda a hora. Sempre disponíveis.
Imediatas e ubíquas, as notícias, hoje, no auge da era da informação, tendem a
confundir-se com a realidade. O defeito, claro, é nosso e de perspectiva: um
país, e muito menos o mundo, não se resumem aos crimes de um banqueiro ou às
políticas iníquas de governos. Mas não é isso que as notícias nos dizem, ainda
que não nos digam, directamente, que "é isso".
Na impossibilidade de as notícias demonstrarem
as múltiplas visões que enformam a realidade, sobressaem as que conseguem furar
o "gatekeeping" e que melhor encaixam nos critérios noticiosos, que
por sua vez se vão ajustando à estratégia que serve o interesse do respectivo
media, por seu turno condicionado a uma existência em que "serviço
público" significa "ao serviço dos accionistas".
Nenhum
mistério: as televisões procuram espectadores, as rádios ouvintes, os jornais leitores
e a Internet seguidores. Para isso, são replicadas velhas fórmulas ("oferecer
o que o público quer") que têm por principal objectivo reforçar
convenções, manter tudo como está, assegurando, pela manipulação, uma
sobrevivência. O público vai querer sempre o que lhe é oferecido, porque não há
alternativas e porque o público e o que ele quer foram criados, cultivados,
para serem o que são.
As audiências que consomem as notícias e por
elas se deixam confundir sobre o mundo e a realidade são frequentemente
deixadas num estado de perplexidade: na dúvida, na incerteza, na incompreensão.
Perturbadas. Desassossegadas.
Na idade digital da reprodução infinita, da
globalização totalitária, as notícias não se limitam a não explicar o mundo -
elas fazem-nos pensar que o mundo não tem explicação.
Do mesmo modo que explicar o real reduzindo-o a maniqueísmos e a fórmulas é traiçoeiro, também mais perverso e insidioso do que a censura da informação é o seu excesso e a sua apresentação na forma desorganizada, descontextualizada, arbitrária, confusa e, inevitavelmente, entediante e anestesiante com que, numa torrente infinita, chegam as notícias e o mundo, avassaladores ao ponto de serem impossíveis de conter e abarcar sem, para isso, se perder várias horas ao longo das quais o ciclo noticioso, entretanto, alterou a relevância do que quer que momentos antes dominava as atenções.
Este quadro (negro) de dispersão mostra que não
há forma mais eficaz de minar o interesse e o entendimento sobre as questões
que deveriam ocupar lugares centrais na nossa vida, como a política, a economia
ou a ciência (que tão pouco espaço ocupa na produção noticiosa). E quanto mais
importante e significativo para a nossa vida, mais complexo e,
consequentemente, menos próprio para consumo nos "feeds" de notícias
pelos quais deslizamos com os dedos nos "smartphones" enquanto vamos
para o trabalho ou esperamos na fila do banco.
O mundo em que vivemos é o mundo das notícias.
É o mundo em que desaparecem aviões e outros são abatidos "por
engano" - e nada acontece; é o mundo em que a vigilância e o controlo são
universais, em que as políticas dos governos legitimam que os ricos roubem os
pobres; é o mundo em que os terroristas ocupam países e em que se decapitam
pessoas à hora dos telejornais.
No final de cada dia, ainda perplexos, talvez a
mensagem mais ou menos subliminar desta espécie de niilismo, de redução a nada,
nos relembre que, enquanto espécie, somos imperfeitos e incorrigíveis.
Andará longe da verdade sermos remetidos para
essa espécie de "solidão cósmica" em que, no universo, somos apenas
uma ínfima parte de um todo que nos parecerá sempre aleatório e sem sentido?
O apocalipse é já a seguir aos compromissos
comerciais.
Publicado no jornal Hoje Macau em Setembro de 2014
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