“O que faz uma
unidade de investigação com 7500 euros por ano? ‘Nada’, diz a directora do
Centro de Estudos Clássicos da Universidade de Lisboa, Cristina Pimentel. Este
foi um dos centros que, na última avaliação da Fundação para a Ciência e a
Tecnologia, viu o financiamento descer. Também o Centro de Estudos Clássicos e
Humanísticos da Universidade de Coimbra, com 15 mil euros anuais, só vai poder
comprar livros e manter as revistas. ‘É toda uma área de investigação que
desaparece. Havendo dois centros nestas circunstâncias, é acabar com a
investigação em estudos clássicos em Portugal. Acabou. Ponto final’”.
Foi esta odisseia
de fatalidades, uma espécie de epopeia ao contrário, sem assuntos ou
acontecimentos grandiosos, que o jornal Público narrou este fim-de-semana,
depois de conhecidos os resultados da avaliação da Fundação para a Ciência e a
Tecnologia de que dependem os apoios para a investigação académica.
Além de terem
sido decididas por uma equipa em que não havia um único especialista de
Clássicas, as avaliações que sentenciaram a actividade dos Estudos Clássicos
portugueses foram feitas de modo não presencial, isto é, à distância. Uma vez
que no conjunto que atribuiu as classificações havia escandinavos, ingleses e
irlandeses, é de supor que além de desconhecerem as condições no terreno de que
dispõem os investigadores, os “peritos” também conheciam mal o próprio país.
Com as notas a
descerem para “Bom”, os orçamentos sofreram reduções drásticas – de 40 mil
euros para 7500, em Lisboa, e de 160 mil para 15 mil, em Coimbra, ficando “em
causa a maioria dos projectos destes centros”.
Entre os
trabalhos afectados estão o de Frederico Lourenço, o helenista a quem Portugal
deve o facto de ter deixado de ser talvez o único país da Europa sem uma
tradução da “Odisseia”, de Homero, devidamente actualizada e feita directamente
do grego. Por fazer ficam as traduções que havia do grego e do latim, mas
também se comprometem áreas de investigação que vão da filosofia à história da
ciência. Entre os projectos impossibilitados de serem concluídos estão, ainda,
a tradução e publicação de manuscritos inéditos de missionários portugueses na
China e em Goa.
E isto num país
que, há dias, assistiu pela televisão, em directo, à trasladação para o Panteão
Nacional de Sophia de Mello Breyner Andresen, poeta fortemente influenciada
pela cultura clássica que estudou na universidade e que foi marca de água do
seu trabalho. Isto num país que, como nunca se cansam de repetir os guardiões
do regime, certamente ávidos consumidores de decassílabos, escolheu para dia
nacional o dia da morte do seu “maior poeta”, e o mesmo país que, há menos de
um mês, celebrou ufano “800 anos de língua portuguesa”, “uma das mais
importantes línguas globais contemporâneas e com mais elevado potencial
presente e futuro”, dizia José Ribeiro e Castro, político do CDS, para defender
o que todos deveríamos fazer: “comemorarmos, festejarmos e projectarmos mais a
nossa língua portuguesa, estimarmos mais o português, ganharmos mais forte
consciência do fabuloso recurso global que é”.
É o discurso a
que nenhum responsável político português resiste. Em Macau, o último foi
Cavaco Silva. De passagem pelo território, em cada aparição pública o presidente
não perdeu oportunidade para destacar que o português é a “língua mais falada
em todo o hemisfério sul”, emocionar-se ao ouvir crianças chinesas falarem
português e, quiçá, também ao escutar os empresários que lhe reconheceram que “é
cada vez mais importante no mundo dos negócios falar português”.
Talvez a miopia
em relação ao passado ajude a perceber melhor como surgem estas iluminadas
visões de futuro que nunca se cumprem, construídas com generosas quantidades de
crendices, mitos e ignorâncias várias.
Era de esperar
mais. Em Portugal, onde o passado está sempre a voltar para atormentar o
presente e ensombrar o futuro, devia-se saber por esta altura que a História é
uma fonte de conhecimento, mas não é inesgotável, como o país se prepara para
sentir de forma trágica. Sem o saber.
Publicado no jornal Hoje Macau em Julho de 2014
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