sábado, 8 de agosto de 2015

Aplicação tópica


“É como escolher de que forma vemos uma luz através de um prisma. Ou vemos os fragmentos da luz decomposta e de cada um dos raios no prisma, ou o inverso.” Dustin Wong não está numa aula de geometria descritiva a perorar sobre o efeito fragmentário desse sólido cujas bases são polígonos iguais e os lados são paralelogramos. Não. 

A pedido da editora Thrill Jockey, Dustin Wong está a usar um prisma como metáfora para explicar o método como compõe música usando diversos pedais (distorção, tonalidade, “loops”, “delay”, etc.), atribuindo diferentes cores e texturas à guitarra. “Uso os pedais como uma fábrica têxtil”, uma máquina de tear que entrelaça as linhas de guitarra e as melodias, criando uma espécie de “mille feuille”, as “mil folhas” que os Sonic Youth, de resto, até já usaram como título de um álbum – inspirado, de acordo com Thurston Moore, em “Leaves of Grass”, o poema de Walt Whitman, mas a que não podemos deixar de conotar as mil malhas de guitarra por que a banda é conhecida.

Musicalmente, Dustin Wong e os Sonic Youth terão poucas (ou nenhumas) afinidades, mas nos discos deste sino-americano nascido no Havai e educado no Japão encontramos o mesmo tratamento da guitarra como campo de experimentação que os Sonic Youth exploram há décadas.

Todavia, mais próximo (relativamente) da banda de Thurston Moore estavam os Ponytail, o quarteto enérgico de Baltimore dedicado ao “art rock” e ao “noise pop”, comparados com os Deerhoof e os Boredoms, no qual Dustin Wong alinhou. A aventura a quatro acabou em 2011. De lá para cá, Wong editou dois discos instrumentais a solo, mais um, este ano, em que colabora com a japonesa Takako Minekawa, em tempos lídima representante da cena musical de Tóquio que ficou conhecida para a posteridade como “shibuya-kei”, e que desapareceu dos radares durante 13 anos – até o seu nome aparecer na capa de “Toropical Circle” (sim, é mesmo assim que se escreve) ao lado de Dustin Wong. Resta dizer que Takako Minekawa foi, até há pouco tempo, casada com Cornelius.

Não se sabe ao certo o que levou a japonesa que colaborou activamente com o ex-marido e os Buffalo Daughter, por exemplo, a regressar às lides ao fim de tanto tempo. À falta de uma justificação, aceitemos que Takako Minekawa encontrou em Dustin Wong a companhia ideal para reviver o prazer de tempos mais felizes – “Toropical Circle” tresanda a “shibuya-kei”, com a sua música leve e “naïve”, a jovialidade colorida e sonhadora, as referências “pop” de outros tempos e lugares. E, claro, com a voz de Takako Minekawa.

Se em “Toropical Circle” resta menos e do risco da experimentação dos discos a solo de Dustin Wong, a verdade é que a voz de Takako Minekawa reforça o sentido lúdico da música, o que, contudo, não chega para apagar a sensação de repetição de uma fórmula, faixa após faixa, em que as vocalizações etéreas vagueiam sob espirais de guitarra, justapostas entre camadas de “loops” de outros instrumentos que aparecem como que pela magia de “caixinhas de música” que vão sendo abertas. Mas em vez de nos convidarem para uma imersão descomplexada no interior de um caleidoscópio, as canções de “Toropical Circle” (que têm, quase todas, excelentes e sugestivos nomes como “Party on a Floating Cake”, “Windy Prism Room” ou “Swimming Between Parallel Times”) deixam-nos a fazer “snorkelling”, ou seja, deixam-nos em águas rasas, apenas servindo para vermos uns peixes estranhos sem nos incomodarmos muito com as profundezas.

Bem se sabe que os vapores tropicais não pedem muito mais, mas, no mínimo, espera-se da “música da estação” um bálsamo qualquer contra a lassidão e o entorpecimento dos sentidos. Não que “Toropical Circle” faça mal; apenas que podia fazer melhor. “Oh well”.

“Toropical Circle”
Thrill Jockey / PLANCHA, 2013
Takako Minekawa / Dustin Wong

Publicado no jornal Hoje Macau no dia 28 de Junho de 2013

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