“É como escolher de que forma vemos uma luz
através de um prisma. Ou vemos os fragmentos da luz decomposta e de cada um dos
raios no prisma, ou o inverso.” Dustin Wong não está numa aula de geometria
descritiva a perorar sobre o efeito fragmentário desse sólido cujas bases são
polígonos iguais e os lados são paralelogramos. Não.
A pedido da editora Thrill
Jockey, Dustin Wong está a usar um prisma como metáfora para explicar o método
como compõe música usando diversos pedais (distorção, tonalidade, “loops”,
“delay”, etc.), atribuindo diferentes cores e texturas à guitarra. “Uso os
pedais como uma fábrica têxtil”, uma máquina de tear que entrelaça as linhas de
guitarra e as melodias, criando uma espécie de “mille feuille”, as “mil folhas”
que os Sonic Youth, de resto, até já usaram como título de um álbum –
inspirado, de acordo com Thurston Moore, em “Leaves of Grass”, o poema de Walt
Whitman, mas a que não podemos deixar de conotar as mil malhas de guitarra por
que a banda é conhecida.
Musicalmente, Dustin Wong e os Sonic Youth
terão poucas (ou nenhumas) afinidades, mas nos discos deste sino-americano
nascido no Havai e educado no Japão encontramos o mesmo tratamento da guitarra
como campo de experimentação que os Sonic Youth exploram há décadas.
Todavia, mais próximo (relativamente) da banda
de Thurston Moore estavam os Ponytail, o quarteto enérgico de Baltimore
dedicado ao “art rock” e ao “noise pop”, comparados com os Deerhoof e os
Boredoms, no qual Dustin Wong alinhou. A aventura a quatro acabou em 2011. De
lá para cá, Wong editou dois discos instrumentais a solo, mais um, este ano, em
que colabora com a japonesa Takako Minekawa, em tempos lídima representante da
cena musical de Tóquio que ficou conhecida para a posteridade como “shibuya-kei”,
e que desapareceu dos radares durante 13 anos – até o seu nome aparecer na capa
de “Toropical Circle” (sim, é mesmo assim que se escreve) ao lado de Dustin
Wong. Resta dizer que Takako Minekawa foi, até há pouco tempo, casada com
Cornelius.
Não se sabe ao certo o que levou a japonesa
que colaborou activamente com o ex-marido e os Buffalo Daughter, por exemplo, a
regressar às lides ao fim de tanto tempo. À falta de uma justificação,
aceitemos que Takako Minekawa encontrou em Dustin Wong a companhia ideal para
reviver o prazer de tempos mais felizes – “Toropical Circle” tresanda a
“shibuya-kei”, com a sua música leve e “naïve”, a jovialidade colorida e
sonhadora, as referências “pop” de outros tempos e lugares. E, claro, com a voz
de Takako Minekawa.
Se em “Toropical Circle” resta menos e do
risco da experimentação dos discos a solo de Dustin Wong, a verdade é que a voz
de Takako Minekawa reforça o sentido lúdico da música, o que, contudo, não chega
para apagar a sensação de repetição de uma fórmula, faixa após faixa, em que as
vocalizações etéreas vagueiam sob espirais de guitarra, justapostas entre
camadas de “loops” de outros instrumentos que aparecem como que pela magia de
“caixinhas de música” que vão sendo abertas. Mas em vez de nos convidarem para
uma imersão descomplexada no interior de um caleidoscópio, as canções de
“Toropical Circle” (que têm, quase todas, excelentes e sugestivos nomes como “Party
on a Floating Cake”, “Windy Prism Room” ou “Swimming Between Parallel Times”)
deixam-nos a fazer “snorkelling”, ou seja, deixam-nos em águas rasas, apenas servindo
para vermos uns peixes estranhos sem nos incomodarmos muito com as profundezas.
Bem se sabe que os vapores tropicais não pedem
muito mais, mas, no mínimo, espera-se da “música da estação” um bálsamo
qualquer contra a lassidão e o entorpecimento dos sentidos. Não que “Toropical
Circle” faça mal; apenas que podia fazer melhor. “Oh well”.
“Toropical Circle”
Thrill Jockey / PLANCHA, 2013
Takako Minekawa / Dustin Wong
Publicado no jornal Hoje Macau no dia 28 de Junho de 2013
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