sábado, 8 de agosto de 2015

Fazer a calma


“Pinball, 1973” é o tipo de título que não se esperaria num disco de música “ambient” editado em 2013 da autoria de um japonês nascido em 1986. No entanto, é a evocação de um tempo e de uma máquina de jogos distantes, já quase “estranhos”, que abrem o belíssimo “After Hours”, afinal, vamos descobrindo faixa a faixa, audição a audição, um álbum capaz de chamar sem falsas nostalgias sensações e momentos, memórias, impressões e sentidos que poderíamos julgar irremediavelmente perdidos como a inocência. E, conforme o que Hirotaka Shirotsubaki vai convocando, também a música é feita de propriedades efémeras, como que aparecendo e desaparecendo numa névoa de sons.

Munido de uma paleta relativamente reduzida, Hirotaka Shirotsubaki consegue, ainda assim, expandir ao longo de 15 músicas uma linguagem que transmite ideias e intensidades díspares, sempre em torno de grandes influências: a melancolia esparsa das paisagens de Brian Eno, as mantas de ruído espesso de Fennesz, os crescendos sobranceiros de Marsen Jules e o granulado sentimental de Tim Hecker; ou seja, as referências que Hirotaka Shirotsubaki poderia apresentar para se candidatar às séries “Pop Ambient”, que a editora alemã Kompakt tem lançado anualmente desde 2001. Mas voltemos mais atrás, aos finais dos anos 1980.

Ao fim de muitas e longas noites passadas em “raves” clandestinas, havia que descansar. Sessões inteiras de batidas ininterruptas, consumo desenfreado de drogas e estados alterados de euforia e loucura exigiam medidas para o “24 hour party people” que enchia armazéns e fábricas abandonadas onde se entregavam aos DJ, os “xamãs” daqueles tempos.

Amor com amor se paga – à música respondia-se com mais música. Depois do “techno” inclemente apontado aos pés, a ausência de “beats” e as paisagens sonoras para viajar sem sair do “puff”.

A origem do “chill out” enquanto género musical deve ser traçada até Brian Eno, o maestro inventor do “ambient”, mas há outros nomes que importa referir: Pete Namlook ou The Orb, por exemplo.
Nesta história, seminais, todavia, é um estatuto reservado para The KLF, a dupla formada por Bill Drummond e Jimmy Cauty, que, depois de terem criado o que se poderia chamar de “stadium house”, inauguraram, em 1990, um novo capítulo com o disco “Chill Out”, uma banda-sonora para uma viagem nocturna de comboio na Costa do Golfo, entre o Texas e o Louisiana, em que somos embalados por uma música que recorre a supreendentes “samples” de Elvis Presley e dos Fleetwood Mac, efeitos, vozes, e, claro, composições originais que nos deixam suspensos em “madrugadas eternas”, para usar um dos títulos do álbum.

Num movimento de constante repetição, passados quase 20 anos, uma outra geração de “24 hour party people” haveria de dar origem a um renascimento do “chill out” enquanto género.
1998, Colónia, Alemanha. Aqui é fundada a editora Kompakt, indelevelmente associada ao renascimento do “techno”, desta feita no centro da Europa. Conhecido como “som de Colónia”, o “techno” da Kompakt era (e continua a ser, em larga medida) minimal, repetitivo e frio, mas aos poucos foi adquirindo densidade.

Desde o início até 2006, o “Cologne minimal sound” dominou, mas, ao longo desse período, a Kompakt nunca menosprezou o “lado B” do “techno” que editava: o “ambient”.

Albergando nomes históricos (The Orb, por exemplo), a editora ajudou a definir a sonoridade dos novos produtores de “ambient”, tornado no “chill out” dos tempos modernos e na posologia indicada para os amantes do “techno” que queriam “acalmar” – música abstracta nas doses certas, vaporosa, profundamente sonhadora, mas também capaz de oscilar entre vigílias, nocturna mas luminosa, e envolvente –têm sido estas as características das compilações “Pop Ambient”, antologias essenciais para perceber as entrelinhas da música electrónica do nosso tempo que aqui surge no seu estado mais depurado, quase gasoso.

“After Hours” inscreve-se nesta narrativa, não como embrião de uma nova linhagem, nem enquanto forma acabada do que quer que seja, mas antes como um sublinhado que merece, pelo menos, duas leituras – ou audições, melhor dizendo.

Façam o “download” gratuito (disponibilizado pelo autor) em http://hshirptsubakigmailcom.bandcamp.com/album/after-hours, e levem “After Hours” a passear. A calma está sempre por fazer.

Publicado no jornal Hoje Macau no dia 21 de Junho de 2013 

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