A pouco e pouco, a série sobre a diáspora
asiática espalhada por esse “underground” fora vai sendo alargada. Depois de
Onra e Vihn (Triad God), as boas vindas sejam dadas a Alex Zhang Hungtai, o
músico nascido em Taipé, Taiwan, que é mais conhecido por Dirty Beaches.
Dos frutos da emigração oriental que já
passaram por estas páginas e de outros que hão-de passar pode dizer-se que, na
música que fazem, uns são mais devedores do que outros da herança oriental que
carregam. No entanto, um traço atravessa todos: a procura das raízes enquanto
missão (mais ou menos) espiritual.
No caso de Alex Zhang Hungtai, radicado no
Canadá depois de uma infância e adolescência nómadas, a epifania é recente e
deve-se a uma digressão que o trouxe, em Fevereiro deste ano, a Hong Kong,
Japão, Coreia do Sul e Austrália. A impressão perdurou fortemente, como o
próprio reconheceu, em Março, no seu blogue: “Esta viagem fez com que
percebesse que, independentemente do quão longe me deixei arrastar à deriva, lá
bem no fundo serei sempre um filho do Oceano Pacífico”.
Assim dito pelo próprio, preto no branco,
torna-se fácil e evidente perceber a conotação extremamente oriental da música
de Dirty Beaches, mas nas dezenas de gravações que Alex Zhang Hungtai vem
publicando desde 2007 encontramos essa ligação umbilical intacta algures na
miríade de referências que parecem conter tantas luzes reflectidas como um
espelho partido virado para o céu nocturno de um deserto.
Com Alex Zhang Hungtai, tudo aponta para algum
lado. Tudo, na música e na imagem, é pensado e cuidado como alusão.
No centro de tudo, a ideia de viagem. No
espaço e no tempo. O passado é o destino, mas a ele regressamos através de uma
reconstrução pessoalíssima que tem por coordenadas blues, rock’n’roll, Elvis,
Suicide, máquinas fantasmagóricas, néon, estradas perdidas, restaurantes
desertos, brilhantina, casacos de cabedal, olhos semicerrados, cigarros no
canto da boca, sombras solitárias, noite, noite e noite.
Nestes anos 1950 imaginados, desembarcamos
numa praia que podia ser nas Filipinas. Estamos no pós-guerra. O sonho e o
optimismo hão-de varrer a Ásia e o Pacífico. A influência norte-americana
faz-se sentir como nunca. A música conquista tudo e todos, transformados em
heróis e heroínas de sonho e chita.
“Badlands”, disco de 2011 que catapultou Dirty
Beaches do obscurantismo das edições de autor, cristalizou o personagem que
vive animado por todas as influências reclamadas por Alex Zhang Hungtai. É o
rebelde sem causa e sem amor à maneira de Leslie Cheung em “Days of Being
Wild”, de Wong Kar-wai, disposto a ir longe para nada.
Numa entrevista recente ao Pitchfork.com, o
homem por detrás do nome Dirty Beaches confessa-se empenhado em fugir da
“construção” de “Badlands”, onde procurou criar “um universo que não existe”.
A fuga levou-o ao disco mais recente, o duplo
“Drifters/Love Is The Devil”, apresentado como “mais pessoal” e um testemunho
dos últimos dois anos da vida de Alex Zhang Hungtai, marcados por uma separação
amorosa (que de “amorosa” nada teve). “Love is the Devil”, o tema que empresta
o título à segunda parte do álbum, serve de amostra: uma marcha funesta
instrumental que se arrasta com pesar e a custo deixa que assome uma melodia
que parece reminiscente das partituras que Angelo Badalamenti escreveu para
“Twin Peaks”, de David Lynch. Por momentos, levita-se.
Inicialmente pensado como um disco de cariz
mais experimental, “Drifters/Love Is The Devil”, sobretudo a primeira parte, é
no entanto mais acessível que outros trabalhos de Dirty Beaches. As influências,
na maioria, repetem-se, mas numa sonoridade ligeiramente mais limpa, menos
rugosa e abrasiva. Os ritmos, que em “Badlands” eram industriais, minimais e
repetitivos, são agora de cadências menos frenéticas. Por vezes, o “groove”
aparece, tímido (em “Mirage Hall” até há “slap bass”).
Tal com no disco anterior, continuamos “on the road”, mas aqui o itinerário é mais ocidental – há passagens pelo “Casino Lisboa”, o quarto tema do alinhamento de “Drifters”, ou “Belgrade”, e diz-se “Au Revoir Mon Visage”.
De sítio para sítio, e por mais âncoras que
lance, Alex Zhang Hungtai parece condenado à deriva, a dizer adeus, a esquecer
e a redescobrir que a areia preta da praia é feita, afinal, das cinzas do que
no passado ardeu e só no passado renascerá.
Publicado no jornal Hoje Macau no dia 19 de Abril de 2013
Sem comentários:
Enviar um comentário