Em menos de um ano, a Assembleia Legislativa
rejeitou dois projectos de lei sobre protecção dos animais, ambos apresentados
por iniciativa do deputado José Pereira Coutinho. Da primeira vez, em Abril do
ano passado, houve quem tivesse alegado a carga de trabalhos e a falta de tempo
até à realização de eleições, em Setembro, para justificar o voto contra. Outra
“argumentação” (chamemos-lhe assim, “for the sake of conversation”), chamava a
atenção para o facto de o Governo estar a preparar semelhante legislação, daí
entendendo-se que não havia necessidade de os deputados se incomodarem.
Acredita-se que um diploma sobre “a posse e o
bem-estar dos animais” esteja em “processo legislativo” desde 2005. Houve quem
tivesse afirmado, ainda no ano passado, que tal documento estava pronto e que
daria entrada na Assembleia até ao final de 2013. Não deu. Mesmo assim, esta
semana, quando chamados uma vez mais a pronunciarem-se sobre os direitos dos
animais, os deputados voltaram a temer que a aprovação do projecto de Coutinho
(agora com Leong Veng Chai) perturbasse o tal processo legislativo que dura há
quase nove anos e que, pelos vistos, é impassível.
Que a maioria dos deputados não queira
oferecer de bandeja uma vitória a Coutinho parece-me normal – no seu calculismo
primário, essa atitude quase leva a acreditar que naquele hemiciclo até se
fazem jogadas políticas (um pobre contenta-se com pouco). Que se invoque a
iniciativa do Governo no mesmo sentido para anular a actividade de um deputado
também me parece ter cabimento – afinal, estamos a falar da Assembleia
Legislativa de Macau, cujo presidente reconheceu, recentemente, ser um órgão
composto por uma maioria de deputados sem conhecimentos jurídicos.
A observação de Ho Iat Seng, consta, não
escandalizou ninguém. Quando muito, o presidente pode ser acusado de
benevolência para com os seus pares ao ter pecado por escassez na crítica. Pelo
menos, assim sugere uma avaliação ao que alguns deputados (entre eles, dos mais
votados) disseram na sessão plenária da última segunda-feira.
O inefável Mak Soi Kun, por exemplo, terá lido
o art. 4º do projecto de lei, onde está que “(...) considera-se ‘animal’
qualquer animal vertebrado não-humano senciente, ou seja, qualquer animal que
possua uma estrutura neurofisiológica associada a uma vida mental activa, que
lhe permita ter sensibilidade física, psicológica e emocional relativamente a
diferentes estímulos, como também lhe permita ter consciência, a um nível mais
ou menos profundo, do que lhe acontece, tendo a capacidade subjectiva de
experienciar a dor e o sofrimento, tanto física quanto psicológica e
emocionalmente”, e, mesmo assim, confessou: “Não consigo perceber bem o que se
entende por animais. São cães e gatos ou também animais selvagens?”, aludindo,
pelo meio, à possibilidade de os micróbios também serem incluídos e a uma
dúvida – “com esta lei, poderiam os animais fazer amor na rua?”
Já Song Pek Kei, que ostenta uma licenciatura
em Direito, mostrou-se atarantada por não saber o que responder às criancinhas
que perguntam aos pais o que são os animais, se não são uma “coisa”, coisa que
os animais são nesta terra e que o projecto de lei chumbado pretendia alterar.
Igualmente mirabolante, igual a si próprio,
Zheng Anting criticou o facto de a proposta apresentada não proteger os donos
dos animais contra eventuais ofensas. É que, observou este deputado, “os cães
não sabem conversar e têm de ser fechados num sítio, porque podem morder as
pessoas”.
No “debate” (chamemos-lhe assim), Mak Soi Kun
lembrou ainda Coutinho que, em vez destas questões dos animais, deveria
ocupar-se em produzir legislação favorável à protecção das pessoas. Comovente.
Verdadeiramente triste, todavia, é que Macau
continue a ser uma terra onde a lei não reconhece nem protege “animais”. Uma
selva.
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