sábado, 8 de agosto de 2015

China: “Underground” fértil (III)



Em 1997, Wang Fan assinou aquela que é conhecida como a primeira obra de música experimental não académica feita na China. Além de representar a travessia pessoal do seu autor, hoje, “Dharma’s Crossing” simboliza também a travessia e proeza da própria música experimental chinesa, uma cruzada que ainda prossegue rumo à procura da sua identidade. Dir-se-ia que este é um caminho interminável, uma vez que na sua génese está um verbo que, aqui, designa simultaneamente uma acção e uma natureza: reinventar. Caso para citar um livro famoso: “No princípio era o Verbo...”

Yan Jun, um dos autores do ensaio “The Sound of the Underground, Experimental and Non-Academic Musics in China”, escreveu em 2004 que “a característica da nova música chinesa é a ‘reinvenção’”. Num outro texto, incluído no catálogo do festival alemão de música improvisada Frischzelle, Yan explica que, “enquanto no Ocidente se considera que os chineses estão a reinventar sonoridades que já existem, na China, os músicos acreditam que estão simplesmente a reinventar-se a si próprios.”

Yan Jun é uma figura ímpar. A revista “New Yorker” chamou-lhe “o genial líder do movimento underground chinês”. Músico, produtor, editor, poeta, teórico, crítico, Yan personifica a hiperactividade e inesgotável talento e criatividade que fizeram e tomaram conta do movimento artístico chinês. A partir da sua base, a editora Sub Jam, em Pequim, Yan Jun é uma espécie de guia prático e espiritual da China alternativa e independente.

Numa recente troca de mensagens de correio electrónico, perguntei-lhe como vê o actual estado do fenómeno “underground” chinês.

“Há cinco anos, a cena estava a crescer, a experimentar, a inovar e a gozar o efeito ‘novidade’”, diz. “Agora, o tempo é de construir qualidade e encontrar um estilo próprio. Há muitos jovens artistas, todos bastante activos, pelo que não é possível saber o que vai acontecer no futuro”.

De facto, a actividade no “underground” chinês atravessa um momento de invejável dinamismo. Tomemos como exemplo a editora Sub Jam: para breve estão agendadas edições de Li Jianhong e VAVABOND (dois nomes que vão passar por Macau no próximo dia 18 de Março); recentemente, a Sub Jam editou trabalhos do próprio Yan Jun e Wang Fan, além de Li Zenghui e dos “internacionais” Toshimaru Nakamura, Nicholas Bussmann e Elliott Sharp.

Também neste universo, Pequim é o centro de confluência. A capital é o símbolo máximo do que a China representa no meio artístico contemporâneo: atracção. Das artes plásticas à música, Pequim é um verdadeiro turbilhão de acontecimentos. Mas, à volta, não há apenas “paisagem”.

Actualmente, reina a cultura “do it yourself”. Os artistas vivem agarrados aos “laptops” onde criam e partilham a música que fazem. São muitas as edições de autor, comercializadas nos bares onde a música alternativa tem uma audiência, de Guangzhou a Xangai, de Guillin a Hangzhou. O frenesi ultrapassou definitivamente os muros da Cidade Proibida.
Mas, ainda que confesse não trocar Pequim por outra cidade chinesa, Yan Jun diz que, presentemente, prefere a cena “underground” de Xangai. Porquê? “É mais simples, mais pura. Em quase todo o lado há jovens que estão a entrar no ‘noise’ e na música rock experimental”.

Apesar de os tempos trazerem ainda a marca da novidade e o frenesi ser constante, Yan revela algum desencanto quando se trata de prever o futuro. “Eu não quero saber do futuro. O público mostra-se interessado em tudo, mas não tem paixão por nada. São como turistas. É um tempo de turismo.”

Para combater este estado de coisas, Yan tem uma receita que qualquer sábio agricultor não desdenharia para aplicar ao seu estimado subsolo: cuidar das raízes. Assim, o melhor mesmo é voltar aos tempos em que o “underground” era “underground”. “É por isso que quero organizar concertos mais pequenos, em salas onde possa criar um ambiente, algo mais concentrado.” Depois, resta esperar que se reinvente. Outra vez. E outra vez.

Publicado no jornal Hoje Macau no dia 8 de Abril de 2011


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