Em 1997, Wang Fan assinou aquela que é
conhecida como a primeira obra de música experimental não académica feita na
China. Além de representar a travessia pessoal do seu autor, hoje, “Dharma’s
Crossing” simboliza também a travessia e proeza da própria música experimental
chinesa, uma cruzada que ainda prossegue rumo à procura da sua identidade.
Dir-se-ia que este é um caminho interminável, uma vez que na sua génese está um
verbo que, aqui, designa simultaneamente uma acção e uma natureza: reinventar.
Caso para citar um livro famoso: “No princípio era o Verbo...”
Yan Jun, um dos autores do ensaio “The Sound
of the Underground, Experimental and Non-Academic Musics in China”, escreveu em
2004 que “a característica da nova música chinesa é a ‘reinvenção’”. Num outro
texto, incluído no catálogo do festival alemão de música improvisada
Frischzelle, Yan explica que, “enquanto no Ocidente se considera que os
chineses estão a reinventar sonoridades que já existem, na China, os músicos
acreditam que estão simplesmente a reinventar-se a si próprios.”
Yan Jun é uma figura ímpar. A revista “New
Yorker” chamou-lhe “o genial líder do movimento underground chinês”. Músico,
produtor, editor, poeta, teórico, crítico, Yan personifica a hiperactividade e
inesgotável talento e criatividade que fizeram e tomaram conta do movimento
artístico chinês. A partir da sua base, a editora Sub Jam, em Pequim, Yan Jun é
uma espécie de guia prático e espiritual da China alternativa e independente.
Numa recente troca de mensagens de correio
electrónico, perguntei-lhe como vê o actual estado do fenómeno “underground”
chinês.
“Há cinco anos, a cena estava a crescer, a
experimentar, a inovar e a gozar o efeito ‘novidade’”, diz. “Agora, o tempo é
de construir qualidade e encontrar um estilo próprio. Há muitos jovens
artistas, todos bastante activos, pelo que não é possível saber o que vai
acontecer no futuro”.
De facto, a actividade no “underground” chinês
atravessa um momento de invejável dinamismo. Tomemos como exemplo a editora Sub
Jam: para breve estão agendadas edições de Li Jianhong e VAVABOND (dois nomes
que vão passar por Macau no próximo dia 18 de Março); recentemente, a Sub Jam
editou trabalhos do próprio Yan Jun e Wang Fan, além de Li Zenghui e dos “internacionais”
Toshimaru Nakamura, Nicholas Bussmann e Elliott Sharp.
Também neste universo, Pequim é o centro
de confluência. A capital é o símbolo máximo do que a China representa no meio
artístico contemporâneo: atracção. Das artes plásticas à música, Pequim é um
verdadeiro turbilhão de acontecimentos. Mas, à volta, não há apenas “paisagem”.
Actualmente, reina a cultura “do it yourself”.
Os artistas vivem agarrados aos “laptops” onde criam e partilham a música que
fazem. São muitas as edições de autor, comercializadas nos bares onde a música
alternativa tem uma audiência, de Guangzhou a Xangai, de Guillin a Hangzhou. O
frenesi ultrapassou definitivamente os muros da Cidade Proibida.
Mas, ainda que confesse não trocar Pequim por
outra cidade chinesa, Yan Jun diz que, presentemente, prefere a cena
“underground” de Xangai. Porquê? “É mais simples, mais pura. Em quase todo o
lado há jovens que estão a entrar no ‘noise’ e na música rock experimental”.
Apesar de os tempos trazerem ainda a marca da
novidade e o frenesi ser constante, Yan revela algum desencanto quando se trata
de prever o futuro. “Eu não quero saber do futuro. O público mostra-se
interessado em tudo, mas não tem paixão por nada. São como turistas. É um tempo
de turismo.”
Para combater este estado de coisas, Yan tem
uma receita que qualquer sábio agricultor não desdenharia para aplicar ao seu
estimado subsolo: cuidar das raízes. Assim, o melhor mesmo é voltar aos tempos
em que o “underground” era “underground”. “É por isso que quero organizar
concertos mais pequenos, em salas onde possa criar um ambiente, algo mais
concentrado.” Depois, resta esperar que se reinvente. Outra vez. E outra vez.
Publicado no jornal Hoje Macau no dia 8 de Abril de 2011
Sem comentários:
Enviar um comentário