No passado dia 6 de Abril, pela primeira vez,
Bob Dylan pisou um palco chinês. Na comunicação social por esse mundo fora não
faltou quem visse nesta estreia um “sinal de abertura da China”. O caso não
seria para menos: Bob Dylan carrega há décadas a aura de ser uma voz de
protesto, aura cultivada particularmente durante a década de 1960, tempos em
que a sua voz fez-se ouvir alto e bom som contra a carnificina da Guerra do
Vietname. Não foi, assim, absolutamente surpreendente a atitude do Ministério
da Cultura chinês que, em 2010, não autorizou o autor de “Blowin' in The Wind”
a actuar, nesse mesmo ano, em Pequim e em Xangai. Exactamente um ano depois, o
que mudou? A julgar pelos acontecimentos, “the answer, my friend...”: Bob
Dylan.
Primeiro em Pequim e depois em Ho Chi Min, no
Vietname, o norte-americano aceitou que o alinhamento dos concertos fosse
sujeito à aprovação das autoridades locais. Canções como “Chimes of Freedom”,
“Blowin' in The Wind” e “The Times They Are A-Changin'” não passaram no exame
prévio. A Human Rights Watch não teve pejo em acusar Dylan de se vergar à
censura do governo chinês.
Ironia das ironias, e para esfumar de vez as
fantasias de “abertura” que por aí houvesse, poucos dias antes de Bob Dylan
tocar no Pavilhão dos Trabalhadores da capital chinesa, o regime prendia o
artista Ai Weiwei, bravo activista dos direitos humanos e um símbolo de
liberdade, inconformismo e protesto.
Como atestam os infelizes exemplos de Ai
Weiwei e Bob Dylan, na China, liberdade artística e liberdade de expressão são,
aparentemente, irreconciliáveis. Pintem-se quadros, montem-se instalações,
faça-se ouvir música, mas não, como o próprio Ai Weiwei dizia que fazia, se dê
voz aos que não têm voz.
No ano passado, perante uma plateia de professores
e alunos na Universidade de Xiamen, Han Han (autor e blogger famoso na China,
considerado pela revista Time uma das 100 pessoas mais influentes em 2010), fez
um discurso que foi depois largamente difundido também fora de portas em que
explicou porque, na sua opinião, a China não está no caminho de se tornar numa
potência cultural. A tese é simples: os líderes chineses vivem com medo da
cultura e do conhecimento e por isso dedicam-se à censura como forma de
garantir a sobrevivência do regime.
Han Han defende que a China tem o que é
preciso para se transformar numa poderosa potência cultural, mas para que tal
aconteça não é possível continuar a exercer-se a castração da imaginação.
Assim, apela a todos os que têm responsabilidades acrescidas – artistas,
professores, jornalistas –, para que lutem contra a mais insidiosa forma de
censura: a que nos infligimos a nós próprios. Han Han entende que só quando os
escritores, os músicos e os restantes artistas se livrarem desse crivo
auto-imposto poderão reflectir no seu trabalho valor e dimensão capazes de se
afirmarem como próprios e dignos de uma potência cultural.
Han Han mostra-se convencido de que só as
potências culturais resistem no tempo, pois os impérios apenas assentes no
poder económico, avisa, sucumbem, como, de resto, a actualidade tem sido
pródiga em demonstrar. Acrescento eu que outra lição que pode ser extraída
desta nossa actualidade mostra-nos ainda quão insondáveis são estes tempos em
que vivemos. Que sirva de algum consolo saber que foi sempre assim e que o
futuro será sempre incerto – que o digam os jovens dos anos 60 que fizeram coro
em protestos ao som de canções como “The Times They Are A-Changin'”. É bem
verdade, mas há coisas que nunca mudam.
Publicado no jornal Hoje Macau no dia 15 de Abril de 2011
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