sábado, 8 de agosto de 2015

Come on, feel the noise (II)

 

"If something is boring after two minutes, try it for four. If still boring, then eight. Then sixteen. Then thirty-two. Eventually one discovers that it is not boring at all.”
 John Cage

Em Outubro de 2007, o jornal The New York Times (NYT) trazia um artigo sobre a “música chinesa avant-garde underground”, dando conta de que o “submundo” estava em expansão e a fazer “barulho” (ainda o “noise”). No texto, assinado por Ben Sisario, usava-se a loja de música Sugar Jar (a única, em Pequim, a vender os discos que brotavam do “underground”), na altura escondida num dos recantos do complexo de galerias / atracção turística “798”, como a metáfora para o movimento musical mais “avant-garde” chinês: “Um nicho minúsculo na sociedade, ensombrado pelo maior e largamente mais lucrativo mundo das artes visuais contemporâneas”.

Mas, há cinco anos, escrevia o NYT, o trabalho dos músicos chineses começava a atrair a atenção internacional (Brian Eno e Elliott Sharp faziam parte do rol de nomes que, recentemente, tinham visitado Pequim para abençoar a cena local). Sharp, figura omnipresente da vanguarda nova-iorquina, afirmava derretido ao NYT: “O pulsar da cena de Pequim é excitante e faz-me lembrar Nova Iorque em 1979. Há o mesmo sentimento de descoberta e transgressão”. Digamos que o homem sabe do que fala.

Enquanto a cena nova-iorquina derivou (ou degenerou, dependendo da perspectiva) em inúmeros outros movimentos que, de um modo ou de outro, deram continuidade à transposição dos limites que vinham do tempo da “descoberta e transgressão”, em Pequim, a situação (ainda) não se alterou muito.
Na maioria dos casos, os músicos continuaram a viver na sombra das artes visuais e plásticas, mesmo que a espectacularidade com que estas impressionaram tudo e todos pareça estar em declínio. Apesar de comunicarem na mais universal das linguagens (a música), o resto do mundo continua a ignorá-los hoje como ignorava há 5 ou 10 anos. É verdade que a sociedade chinesa tem vindo a revelar, progressivamente, uma maior abertura para as domésticas expressões artísticas, mas, em paralelo, o regime comunista tem reforçado o controlo e o exercício de influência na definição dos valores estéticos e morais “aceitáveis”, o que, invariavelmente, redunda na almejada uniformização e na eliminação de qualquer traço saliente de individualismo.

Sintomático, no artigo do NYT de Outubro de 2007, Kenneth Fields, professor de música electrónica no Conservatório de Música de Pequim, lamentava a falta de criatividade e de pensamento livre entre os estudantes da sua universidade e de outras. Na China, dizia, a música mais vibrante vem do “underground”, onde a mão que domina todos os media, aparentemente, não chega, e onde se reflecte a anarquia. “No topo não há inovação”, resumia Fields, “mas lá em baixo, no fundo, há imensas liberdades informais”.

Sem ironias, dir-se-ia que, na China, os artistas vanguardistas estão condenados a ser livres, isto é, votados ao ostracismo e à indiferença que, quais “males que vêm por bem”, lhes granjeiam o (desas)sossego que os move. Paz podre do opróbrio? Talvez.


Como no mito de Sísifo, onde um homem carrega uma pedra enorme até ao cimo de uma montanha para, aí chegado, deixar que a pedra caia e role pela encosta abaixo, e todo o processo se inicie de novo, assim andarão estes artistas marginais (das margens) chineses, lidando em pleno com o quotidiano absurdo. Dizia Albert Camus: “É preciso imaginar Sísifo feliz”. Ou, como diz John Cage na epígrafe deste texto: “If something is boring after two minutes, try it for four. If still boring, then eight. Then sixteen. Then thirty-two. Eventually one discovers that it is not boring at all”.

Publicado no jornal Hoje Macau no dia 12 de Outubro de 2012

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