sábado, 8 de agosto de 2015

Come on, feel the noise (III)


Quando pensava que a questão do “noise” chinês, em 2012, estava arrumada (no que a estes escritos diz respeito, entenda-se), eis que, em ociosas deambulações cibernéticas recentes encontro, na excelente página da editora Sub Rosa, mais um documentário, datado deste ano, sobre os “terroristas sonoros” da China.

A chancela da editora de Bruxelas, zelosamente dirigida por Guy-Marc Hinant e Frédéric Walheer, justifica o arregalado interesse: em 2009, a Sub Rosa foi responsável pela opulenta edição de “An Anthology Of Chinese Experimental Music 1992-2008”, quatro discos essenciais, (ainda) definitivos para perceber a génese, desenvolvimento e estado actual da música de cariz experimental da República Popular – compilação a que, nestas páginas, já foi dada atenção (espero que a devida).

Agora, a mítica casa editorial belga pôs cá fora “Fuck You: Fucking Noise in China Now!”, realizado por um dos patrões da Sub Rosa, Guy-Marc Hinant, em conjunto com Dominique Lohle.

“100 minutos de música electrónica ‘noise’ e de discursos duros: um ‘road movie’ entre Pequim e Xangai, com Torturing Nurse, Wang Changcun, Wang Fan, Li Jian Hung / Dickson Dee, o poeta Sun Meng Jin e Zbigniew Karkowski, no papel de radical da linha vermelha”, lê-se na promoção do DVD que está à venda na página electrónica da editora e em lojas de música “online”. Não há, contudo, um único vídeo promocional, restando os textos dos próprios produtores e umas quantas recensões para distrair, enquanto não chega uma cópia do documentário.

Para já, a palavra aos dois realizadores: “Embarcámos numa viagem, com uma visão que talvez tenha confundido sentimentos de revolta com a própria revolução, esperando filmar um monumento à gloria do Noise [assim mesmo, com maiúscula] enquanto “acção subversiva” na República Popular da China. Ao fim de umas horas, tivemos de admitir que, neste lugar e neste tempo, nada de político estava a ser exprimido”.

Aparentemente, o filme parte da premissa de ir ao encontro de artistas oprimidos por um regime totalitário, exímio praticante da censura, para, no final, descobrir um bando apolítico pacificado pelo que o poeta de serviço no documentário, Sun Meng Jin, descreve como “a era do entretenimento”. Ou seja, em vez de uma catarse contra as “forças do mal”, o “noise” chinês dedica-se a amplificar doses massivas de indiferença política.

Esta atitude de desinteresse talvez não fosse desprovida de significado ideológico, não fora a apatia uma questão igualmente séria no contexto de esvaziamento espiritual (íntimo, individualista, humano) que a “harmonia social” apascenta com as melhores das intenções (a unidade e a união através da sobrevivência e continuidade do regime, e vice-versa).

As mesmas questões passaram por estas páginas, recentemente, a propósito do movimento “punk” chinês, igualmente alheado de lutas políticas, antes desviado para a indulgência prazenteira do puro divertimento, isto é, um escapismo dos tempos modernos, tentativa de fuga de uma realidade talvez demasiado feia e difícil. Quem os pode censurar? O governo chinês, certamente, podia.

E a música? Uma das mais recentes colectâneas de música experimental / “noise” vinda da China dá pelo nome de “China? (A Noise Compilation)”, da “netlabel” eDogm, e pode ser descarregada gratuitamente nesta morada: http://www.edogm.net/releases/edo013.html
Tem a maioria dos nomes que eram relevantes em 2006 e que, hoje, continuam igualmente importantes: D!O!D!O!D! (contribuem com dois temas), Li Jianhong, Torturing Nurse e White, entre outros. Uma boa amostra da música que quer dizer tudo não dizendo nada e, ao que parece, não incomodando vivalma. Ruído para os nossos ouvidos.

Publicado no jornal Hoje Macau no dia 19 de Outubro de 2012 

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