sábado, 8 de agosto de 2015

Come on, feel the noise



"I certainly had no feeling for harmony, and Schoenberg thought that that would make it impossible for me to write music. He said, 'You'll come to a wall you won't be able to get through.' So I said, 'I'll beat my head against that wall.' "

 John Cage

“Howling into Harmony” é o título do documentário estreado este Verão, em Pequim, que retrata a nova geração (a segunda, para usar a terminologia aplicada ao cinema) de músicos chineses dedicados a uma das mais extremas formas de expressão: o “noise”.

Realizado pelo canadiano Joshua Frank ao longo de seis meses, em 2011, “Howling into Harmony” foca a atenção em três dos nomes mais relevantes da cena actual, que tem epicentro na capital chinesa: Li Yang Yang (Raying Temple, Nojiji), He Fan (Birdstriking, Carsick Cars, Deadly Cradle Death) e Li Qing (Soviet Pop, Snapline).

Pelos respectivos percursos, origens e projectos nos quais se desdobram, os três protagonistas de “Howling into Harmony” representam diversas facetas da já de si multifacetada Pequim da cena artística, da música, dos clubes nocturnos, dos estúdios, dos armazéns, da clandestinidade, das ruas desertas e fora de horas, da criatividade que demasiadas vezes não tem senão que bater numa grande muralha.

Depois de artistas como Yan Jun, Li Jianhong ou Turturing Nurse terem desbravado caminho nas sínicas experiências “noise”, Joshua Frank decide apontar a câmara e o microfone aos que seguiram as pisadas dos mestres pioneiros.

Enquanto o documentário não tem distribuição comercial assegurada (e enquanto não é exibido numa qualquer sessão da animada temporada cinematográfica de Macau...), para aguçar o apetite resta o “trailer” e alguma literatura, de entre a qual se destaca o artigo que o realizador Joshua Frank escreveu para a revista Discosalt, onde nos elucida sobre os três jovens “fazedores de barulho”.

Ficamos assim a saber, por exemplo, que, em 2003, Li Yang Yang abandonou a província de Shandong para rumar até Pequim. Acompanhado de pouco mais do que uma guitarra, com os escritos de Jack Kerouac e William Burroughs na cabeça e nas veias, quiçá inspirado nas origens rurais, decide criar uma comuna nos arrabaldes da capital (Tongzhou), onde se junta um colectivo de artistas (ainda activo e chamado Nojiji, que também é nome de editora), e onde também operam um clube e sala de espectáculos chamada Raying Temple.

Dos três personagens de “Howling into Harmony”, Li Yang Yang, descreve Joshua Frank, é o mais extremoso devoto da obliteração de qualquer convenção musical. 

He Fan, estudante universitário ainda a viver com os pais, mostra maior propensão para “letras em forma de hinos” embutidas no rock de guitarras do tipo “wall of sound” que pratica, igualmente, no projecto Carsick Cars, do qual faz parte.

“Mais pensativa e comedida”, Li Qing é uma “construtora de sons” e meticulosa dominadora e coleccionadora de sintetizadores “vintage” comprados no eBay.

“Para os observadores ocidentais”, escreve Joshua Frank, “pode ser tentador cair numa série de chavões redutores” [passe a redundância], como pensar que o rock chinês é “a definitiva afirmação num regime totalitário”.

No entanto, continua o realizador, “a verdade é que, de Pequim a Brooklyn, a maior parte de nós forma bandas pelas mesmas razões: é divertido, é ‘cool’, e a expressão individual é uma forma de provocar uma grande agitação”. Mas os idealistas que não desanimem.


Na China, o simples facto de se levar a vida como músico é um gesto de grande significado político. Numa sociedade que tende a apagar os traços distintivos e individualistas e que promove a medição do sucesso pela propriedade de uma habitação, um automóvel e um casamento (tal como no resto do mundo, vendo bem), a música (para não dizer o “noise”) é a antítese perfeita da vontade do regime. Uma outra espécie de harmonia. De uma barulhenta harmonia.


Publicado no jornal Hoje Macau no dia 5 de Setembro de 2012 

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