"I certainly had no feeling for harmony, and
Schoenberg thought that that would make it impossible for me to write music. He
said, 'You'll come to a wall you won't be able to get through.' So I said,
'I'll beat my head against that wall.' "
John Cage
“Howling into Harmony” é o título do
documentário estreado este Verão, em Pequim, que retrata a nova geração (a
segunda, para usar a terminologia aplicada ao cinema) de músicos chineses
dedicados a uma das mais extremas formas de expressão: o “noise”.
Realizado pelo canadiano Joshua Frank ao longo
de seis meses, em 2011, “Howling into Harmony” foca a atenção em três dos nomes
mais relevantes da cena actual, que tem epicentro na capital chinesa: Li Yang
Yang (Raying Temple, Nojiji), He Fan (Birdstriking, Carsick Cars, Deadly Cradle
Death) e Li Qing (Soviet Pop, Snapline).
Pelos respectivos percursos, origens e
projectos nos quais se desdobram, os três protagonistas de “Howling into
Harmony” representam diversas facetas da já de si multifacetada Pequim da cena
artística, da música, dos clubes nocturnos, dos estúdios, dos armazéns, da
clandestinidade, das ruas desertas e fora de horas, da criatividade que
demasiadas vezes não tem senão que bater numa grande muralha.
Depois de artistas como Yan Jun, Li Jianhong
ou Turturing Nurse terem desbravado caminho nas sínicas experiências “noise”,
Joshua Frank decide apontar a câmara e o microfone aos que seguiram as pisadas
dos mestres pioneiros.
Enquanto o documentário não tem distribuição
comercial assegurada (e enquanto não é exibido numa qualquer sessão da animada
temporada cinematográfica de Macau...), para aguçar o apetite resta o “trailer”
e alguma literatura, de entre a qual se destaca o artigo que o realizador
Joshua Frank escreveu para a revista Discosalt, onde nos elucida sobre os três
jovens “fazedores de barulho”.
Ficamos assim a saber, por exemplo, que, em
2003, Li Yang Yang abandonou a província de Shandong para rumar até Pequim.
Acompanhado de pouco mais do que uma guitarra, com os escritos de Jack Kerouac
e William Burroughs na cabeça e nas veias, quiçá inspirado nas origens rurais,
decide criar uma comuna nos arrabaldes da capital (Tongzhou), onde se junta um
colectivo de artistas (ainda activo e chamado Nojiji, que também é nome de
editora), e onde também operam um clube e sala de espectáculos chamada Raying
Temple.
Dos três personagens de “Howling into
Harmony”, Li Yang Yang, descreve Joshua Frank, é o mais extremoso devoto da
obliteração de qualquer convenção musical.
He Fan, estudante universitário ainda a viver
com os pais, mostra maior propensão para “letras em forma de hinos” embutidas
no rock de guitarras do tipo “wall of sound” que pratica, igualmente, no
projecto Carsick Cars, do qual faz parte.
“Mais pensativa e comedida”, Li Qing é uma
“construtora de sons” e meticulosa dominadora e coleccionadora de
sintetizadores “vintage” comprados no eBay.
“Para os observadores ocidentais”, escreve
Joshua Frank, “pode ser tentador cair numa série de chavões redutores” [passe a
redundância], como pensar que o rock chinês é “a definitiva afirmação num
regime totalitário”.
No entanto, continua o realizador, “a verdade é que, de Pequim a Brooklyn, a
maior parte de nós forma bandas pelas mesmas razões: é divertido, é ‘cool’, e a
expressão individual é uma forma de provocar uma grande agitação”. Mas os
idealistas que não desanimem.
Na China, o simples facto de se levar a vida
como músico é um gesto de grande significado político. Numa sociedade que tende
a apagar os traços distintivos e individualistas e que promove a medição do
sucesso pela propriedade de uma habitação, um automóvel e um casamento (tal
como no resto do mundo, vendo bem), a música (para não dizer o “noise”) é a
antítese perfeita da vontade do regime. Uma outra espécie de harmonia. De uma
barulhenta harmonia.
Sem comentários:
Enviar um comentário