sábado, 8 de agosto de 2015

Convite à evasão


Foi uma coincidência feliz, que também as há. Quando a ideia de fazer um programa de rádio dedicado à nova música alternativa feita na Ásia começava a germinar na minha cabeça, veio parar-me às mãos um CD. “Evade”, lia-se em letras brancas sob uma árvore azul como o céu nocturno e limpo desse mês de Setembro de 2009, quando o trio de Macau (Sonia Ka Ian Lao, na voz, Brandon L, na guitarra, e Faye Choi, nas programações) editou o seu primeiro disco.

Tratava-se de um EP com sete músicas feitas de melodias inseguras que ganhavam compostura entre vocalizações intimistas, arritmias, guitarras planantes e um ocasional manto de electricidade estática, elementos que juntos conspiraram uma bela surpresa musical que tanto devia à Dream Pop como ao Shoegaze, ao Dubstep e à música oriental. “This Day”, o segundo tema do EP, foi a primeira música a ouvir-se no programa “Próximo Oriente”, e deu o mote para a longa viagem “à procura de novos sons, novas inspirações, de um novo oriente... De um próximo oriente”.

Em muitos aspectos, viria a aperceber-me mais tarde, os Evade definiam o espírito das bandas que passaram pelas 37 edições do programa: a vontade de fazer, de sonhar, de experimentar, a reverência pelas influências, o amor à música. Coisas simples.

Três anos depois, tudo mudou e tudo está na mesma. Partindo de uma posição de “outsiders” originários de Macau, os Evade conquistaram o seu espaço na fervilhante cena electrónica do Extremo Oriente, preservando intacta a aura com que se lançaram ao mundo. “Destroy & Dream”, o primeiro disco de longa-duração da banda, editado este ano, tem o selo de uma das novas e conceituadas editoras asiáticas, a Kitchen, de Singapura.

Como o título do álbum implica, e como os Evade me explicam, as canções deste disco “falam de destruição e regeneração”. Afirmam partir da perspectiva de “um observador distante” que, música após música, questiona (-nos) acerca dos grandes temas existencialistas, (vida, mundo, universo), mas “com a consolação dos sonhos, do isolamento e do abrigo”. Venha a música, então.

“Forgetting”, o tema de abertura, é súbito e misterioso. Evoca uns Massive Attack em fase lunar perdidos em 2046 no labirinto de Wong Kar-wai. Aqui, como no resto do disco, acumulam-se camadas de sons sustentadas por ritmos quebrados, secos, mas que nunca chegam a incomodar o estado geral de vigília.

“Pavillion” e “Endless” estão entre o lote de temas mais experimentais, algures entre o ambientalismo abstracto e as bandas sonoras minimais, com texturas repletas de detalhes, mas que descambam por caminhos inconsequentes.

Os melhores momentos são quando os Evade recolhem as peças dispersas e as rearranjam em torno de uma ideia de canção, como no já mencionado tema de abertura, em “Love” (dub cibernético, feito de colagens, mas inteiriço no “groove” hipnótico), ou em “Seeking For Mr. Freud” (digressão de travo oriental que substitui o divã por uma cama de ópio). Nota positiva também para as vocalizações de Sonia Ka Ian Lao que, em cantonense e em inglês, adensam o tom intimista do disco.

Na cuidada edição da Kitchen (um dos traços característicos da editora é o design arrojado e as luxuosas embalagens “digipack”), os nove temas originais dos Evade são complementados com três remisturas, todas de nomes japoneses, para três temas diferente do disco: “Seeking for Mr. Freud” na versão “Okamotonoriaki Remix” (tratamento “downtempo” com tónica nos elementos orientais do original), “Pavilion” na versão “FJORDNE Remix” (bela reconstrução, a conferir uma inesperada nota jazzística ao disco), e, finalmente “Love” na versão “Seraph Remix” (um grande salto em frente cósmico).

Quando lhes perguntei o que achavam de Macau enquanto ecossistema (dominado pela “cultura karaoke”, ausência de lojas de discos, etc., etc.) para uma banda com as características dos Evade, a resposta, ainda que breve, não deixa dúvidas de que o trio tem o enguiço bem resolvido: “Abre a mente que terás mais do que esperas”. Mandem pintar as paredes.

“Destroy & Dream”
Evade
Kitchen Label, 2012

Publicado no jornal Hoje Macau no dia 14 de Setembro de 2012

Sem comentários:

Enviar um comentário