Foi uma coincidência feliz, que também as há.
Quando a ideia de fazer um programa de rádio dedicado à nova música alternativa
feita na Ásia começava a germinar na minha cabeça, veio parar-me às mãos um CD.
“Evade”, lia-se em letras brancas sob uma árvore azul como o céu nocturno e
limpo desse mês de Setembro de 2009, quando o trio de Macau (Sonia Ka Ian Lao,
na voz, Brandon L, na guitarra, e Faye Choi, nas programações) editou o seu
primeiro disco.
Tratava-se de um EP com sete músicas feitas de
melodias inseguras que ganhavam compostura entre vocalizações intimistas,
arritmias, guitarras planantes e um ocasional manto de electricidade estática,
elementos que juntos conspiraram uma bela surpresa musical que tanto devia à
Dream Pop como ao Shoegaze, ao Dubstep e à música oriental. “This Day”, o
segundo tema do EP, foi a primeira música a ouvir-se no programa “Próximo
Oriente”, e deu o mote para a longa viagem “à procura de novos sons, novas
inspirações, de um novo oriente... De um próximo oriente”.
Em muitos aspectos, viria a aperceber-me mais
tarde, os Evade definiam o espírito das bandas que passaram pelas 37 edições do
programa: a vontade de fazer, de sonhar, de experimentar, a reverência pelas
influências, o amor à música. Coisas simples.
Três anos depois, tudo mudou e tudo está na
mesma. Partindo de uma posição de “outsiders” originários de Macau, os Evade
conquistaram o seu espaço na fervilhante cena electrónica do Extremo Oriente,
preservando intacta a aura com que se lançaram ao mundo. “Destroy & Dream”,
o primeiro disco de longa-duração da banda, editado este ano, tem o selo de uma
das novas e conceituadas editoras asiáticas, a Kitchen, de Singapura.
Como o título do álbum implica, e como os
Evade me explicam, as canções deste disco “falam de destruição e regeneração”.
Afirmam partir da perspectiva de “um observador distante” que, música após
música, questiona (-nos) acerca dos grandes temas existencialistas, (vida,
mundo, universo), mas “com a consolação dos sonhos, do isolamento e do abrigo”.
Venha a música, então.
“Forgetting”, o tema de abertura, é súbito e
misterioso. Evoca uns Massive Attack em fase lunar perdidos em 2046 no
labirinto de Wong Kar-wai. Aqui, como no resto do disco, acumulam-se camadas de
sons sustentadas por ritmos quebrados, secos, mas que nunca chegam a incomodar
o estado geral de vigília.
“Pavillion” e “Endless” estão entre o lote de
temas mais experimentais, algures entre o ambientalismo abstracto e as bandas
sonoras minimais, com texturas repletas de detalhes, mas que descambam por
caminhos inconsequentes.
Os melhores momentos são quando os Evade
recolhem as peças dispersas e as rearranjam em torno de uma ideia de canção,
como no já mencionado tema de abertura, em “Love” (dub cibernético, feito de
colagens, mas inteiriço no “groove” hipnótico), ou em “Seeking For Mr. Freud”
(digressão de travo oriental que substitui o divã por uma cama de ópio). Nota
positiva também para as vocalizações de Sonia Ka Ian Lao que, em cantonense e
em inglês, adensam o tom intimista do disco.
Na cuidada edição da Kitchen (um dos traços
característicos da editora é o design arrojado e as luxuosas embalagens
“digipack”), os nove temas originais dos Evade são complementados com três
remisturas, todas de nomes japoneses, para três temas diferente do disco: “Seeking
for Mr. Freud” na versão “Okamotonoriaki Remix” (tratamento “downtempo” com
tónica nos elementos orientais do original), “Pavilion” na versão “FJORDNE
Remix” (bela reconstrução, a conferir uma inesperada nota jazzística ao disco),
e, finalmente “Love” na versão “Seraph Remix” (um grande salto em frente
cósmico).
Quando lhes perguntei o que achavam de Macau enquanto ecossistema (dominado pela “cultura karaoke”, ausência de lojas de discos, etc., etc.) para uma banda com as características dos Evade, a resposta, ainda que breve, não deixa dúvidas de que o trio tem o enguiço bem resolvido: “Abre a mente que terás mais do que esperas”. Mandem pintar as paredes.
“Destroy & Dream”
Evade
Kitchen Label, 2012
Publicado no jornal Hoje Macau no dia 14 de Setembro de 2012
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