sábado, 8 de agosto de 2015

Cornelius: a música dos sons


Com maior ou menor dose de melomania, quem ouve música com frequência certamente já se terá questionado, pelo menos uma vez, sobre qual o melhor sítio ou a melhor circunstância para dar azo a essa singular necessidade: escutar a “organização de sons com intenções estéticas, artísticas ou lúdicas”, como diz o dicionário para definir o substantivo feminino chamado “música”.

Sabemos há muito que “o meio é a mensagem” e que o “estilo”, ou a “forma”, não apenas moldam como também transformam o “conteúdo”, mas tendemos a esquecer estas evidências que se manifestam nas mais pequenas coisas e que, afinal, fazem as maiores diferenças. Felizmente, temos Keigo Oyamada para nos ajudar a lembrar a importância dos detalhes e a nunca negligenciar o ideal. 

Desde que fez parte dos Flipper’s Guitar, banda que marcou o movimento “Shibuya-kei”, na viragem da década de 1980, Keigo Oyamada (mais conhecido por Cornelius) tem sido irrepreensível na tarefa dedicada a afirmar a sua música como, antes de tudo, arte e técnica de combinar, registar e reproduzir os sons, tornados entidades tangentes, sensuais, texturas que se confundem com ambiências angulares e, por vezes, vertiginosas. Pop, rock, jazz, electrónica e muito mais, tudo isso é perceptível no caleidoscópio que Cornelius acciona aliando sagazmente tradição e vanguarda. A música deste japonês (descrito pela editora norte-americana Matador como o “mais inovador e respeitado” músico do País do Sol Nascente) funciona, pois, como um organismo vivo, com múltiplos tentáculos mexendo-se em diversas direcções e com intensidades diferentes. Um mundo de mundos.

O exemplo mais eloquente de uma “trip à la Cornelius” talvez seja, ainda, “Fantasma”, disco de 1997 – uma montanha russa com passagens pelos anos 1960 dos Beach Boys ou pelos anos 1980 dos My Bloody Valentine, pelo hip-hop japonês, pela “spoken word”, pelos samples e pelas guitarradas. E tudo flui neste disco em que Keigo Oyamada, na altura com 27 anos, tocou cada instrumento ouvido no álbum, o terceiro assinado como Cornelius. 

Todavia, não há bela sem senão. Entre 1994 e 2006, Cornelius editou apenas cinco discos. Ou seja, passaram já seis anos desde o último. Demasiado tempo.

Como nem tudo é mau (não poderia ser), Keigo vai entretendo as massas com remisturas avulsas que tem compilado numa série de edições a que deu o nome genérico de CM. No final deste verão saiu CM4, cerca de 4 anos depois do terceiro tomo. A mais recente colectânea colhe temas trabalhados entre 2005 e 2012. Ao todo são onze versões de nomes como Yoko Ono Plastic Ono Band, Tomoyasu Hotei, Maki Nomiya, Beastie Boys, MGMT, Lali Puna ou Arto Lindsay.

Quem conhece a obra de Cornelius, na inadvertência de escutar este disco sem outra referência que não o nome que o assina pensaria tratar-se de um novo álbum de originais do japonês. 

Em CM4 estão preservadas as propriedades que remetem as músicas para os seus devidos autores, mas Cornelius consegue incutir cunho pessoal em cada nota, da desbunda “krautrock” de “Battle Without Honor Or Humanity”, original de Tomoyasu Hotei que abre o disco, até à “enka” (género tradicional de baladas sentimentais) dos tempos modernos de “Akatonbo”, de Haruo Minami, passando pelo techno pop refractário de “The Sun Is Down!”, de Yoko Ono.

Ainda excluída destas antologias de remisturas continua a fantástica “Cue”, um original dos pioneiros Yellow Magic Orchestra que Cornelius incluiu no “single” Breezin’, extraído do álbum “Sensuous”, de 2006. Mas (e lá está, volto a um provérbio chinês já aqui trazido) as pérolas não se encontram na costa, é preciso mergulhar para as encontrar.


Publicado no jornal Hoje Macau no dia 9 de Setembro de 2012

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