Na China, durante a dinastia Song, havia um
jogo popular parecido com o que, hoje, chamamos de golfe: Chuiwan (捶丸). Mas, ao que parece, não foi aí
que os Chui Wan (Yan Yulong, Wu Qiong, Liu Xinyu e Josh Feola) foram buscar inspiração.
De acordo com a editora Maybe Mars, o nome do
quarteto de “rock psicadélico e experimental” de Pequim que, numa noite destas,
deu em Macau um memorável concerto para umas duas dezenas de pessoas, deve-se a
Zhuangzi, especialmente a um trabalho místico do filósofo taoista, “Qi Wu Lun”
(齐物论), acerca da
relação entre a natureza e a vida humana. O espírito desta obra antiga
consubstanciar-se-á numa expressão que reza mais ou menos assim: “Quando o
vento sopra, todos os sons podem ser ouvidos nele”.
Segundo a leitura da editora marciana, este
conceito de “procurar o infinito a partir do mundano” serve de inspiração aos
Chui Wan.
Na linguagem da banda, “infinito” e “mundano”
são, na verdade, duas dimensões da mesma tessitura, organizando-se em
dialécticas que alternam improvisos e arranjos cuidadosamente compostos. É um
diálogo a múltiplas vozes, mas não há aqui laivos de esquizofrenia. Ainda que o
rumo possibilite várias direcções, a barca vai determinada e animada por uma
míriade de sonoridades que se confundem, feitas de psicadelismo em arrebatado
“flirt” com o “noise”, rock submisso em versão “shoegaze”, baixos ondulando em
marés “surf rock”, ínterins minimalistas que se somem em reverberações
distantes, e melodias que parecem querer apaziguar a sede de infinito, ou seja,
de caos.
E é sempre às portas de uma qualquer babel que a música dos Chui Wan
nos deixa, sem que, todavia, nos leve a perdermo-nos completamente na confusão.
Nunca se afastando demasiado de portos
seguros, mas não fazendo concessões a lugares de conforto no ponto da anestesia,
os Chui Wan colocam-se algures entre o rock pouco ortodoxo dos Carsick Cars e o
experimentalismo académico dos White +.
A síntese vem exposta no primeiro disco,
editado este ano, e cuja apresentação serviu de pretexto para a digressão dos
Chui Wan (com os norte-americanos Psychic Ills) que passou por diversas cidades
chinesas, Hong Kong e também Macau (Live Music Association, no passado dia 25
de Novembro).
“White Night” abre com
“Swimming”. A “surf guitar” acentua, desde logo, uma toada
“retro” e exótica, que vai sendo dissipada ao longo dos oito temas sem,
contudo, se perder por completo. “Black Cat, White Cat” traz uma descarga de
distorção, vozes espectrais reminiscentes dos negros anos 1980 e também as
primeiras doses fortes de substâncias com princípios activos lisérgicos.
“Refute”, o terceiro tema, é talvez o que deve mais ao período pós-punk, como
se estivessmos perante uns The Fall perdidos em Chongqing. “Another Kind of
Love”, espécie de canção de amor “under the influence”, devia ocupar os topos
de tabelas de “singles” mais vendidos deste mundo. O apelo “pop” estende-se até
“Dan Ding He”, que, no entanto, se revela um remoinho de guitarras elípticas.
“White Night”, o tema que dá nome ao álbum, é
o ponto alto. Convocando melodias orientais, em jeito das ragas indianas, os
Chui Wan constroem aqui um portento do psicadelismo, com direito a crescendo e
delírios de saxofone. “Excuse me while I kiss the sky”, como diria o outro.
“Berber”, que começa com o que parece ser o
som de uma porta a abrir, serve como interlúdio, suspenso e tenso, ao tema que
encerra o disco: “Tomorrow Never Knows”, um longo desvio pelos caminhos da
experimentação, passando por diversos estados, umas vezes explodindo, outras
implodindo, e fazendo-nos crer que os quase 40 minutos de “White Night” duraram
mais do que o tempo real nos mostra.
A transcendência também é isto: perdermo-nos
no tempo. Depois, o vento, que tudo trouxe, tudo levará.
“White Night”
Maybe Mars, 2012
Chui Wan
Publicado no jornal Hoje Macau no dia 30 de Novembro de 2011
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