sábado, 8 de agosto de 2015

Em busca do templo perdido

  
“I am searching for faith, beauty and hip-hop
I am searching for all those who died between hip-hop and heaven
And all souls set adrift and free from bedlam
With headstrong lyrics that rise like smoke from silver incense burners
I wonder who stole the thunder with the rasping edge
And who banged for baptisms with butterflies,
 serpentine roads and sunsets broken by cicadas
Have we really lost our century in an hour?
Are we devoured by blind faith in the powers that be?
Are these words as tense as drawn bow strings?
Shall we rebuild the tears like sap from rubber trees?
Answer me!
Answer me you T.S. Elliots in goose down jackets
 with your felt tip urban hieroglyphs, spliff smoke, and spray paint
Answer me you soliloquists with clenched fists 'round the mike
Answer me you angels in adidas”

Attica Blues, “The Quest”

Houve um tempo em que, mais do que um género musical, o Hip-Hop era, juntamente com o Rap, uma força de expressão e um contra-poder, uma espécie de linguagem de oprimidos que servia para denunciar opressores (“The Black CNN”, nas palavras de Chuck D, dos lendários Public Enemy).
Com origem nas comunidades afro-americanas, o Hip-Hop foi, desde o início e durante anos, uma expressão artística original dos guetos, mas com o passar dos anos alcançou uma universalidade que transformou substancialmente narrativas e discursos a ela associados.

Hoje, conotações ideológicas, políticas e sociais foram, maioritariamente, substituídas por referências a artigos de luxo, sexo e machismo, sinais do estrondoso sucesso comercial daquela que, entretanto, se tornou numa das facetas mais lucrativas da indústria da música.

A alteração do discurso não significa, necessariamente, que a realidade tenha mudado e que a opressão tenha acabado, ou que oprimidos e opressores tenham trocado de papéis ou desaparecido do mapa. Na verdade, continua, hoje como ontem e, com toda a probabilidade, como sempre, a haver razões para os “T.S. Elliots in goose down jackets”, como nas palavras dos Attica Blues, atirarem rimas que atingem como flechas o coração das injustiças.

A mais popular forma de cultura urbana do nosso tempo é usada ainda como linguagem de protesto e transformação social, algo muito próximo das raízes deste género de música que deixou de ser apenas isso para se tornar sobretudo num estilo de vida que aproximou gerações de jovens em todo o mundo.
Foi isso que aconteceu em Myanmar, a antiga Birmânia, hoje a despertar de um período negro, depois de anos sob o jugo de ferro da Junta Militar.

Num país que se pareceu com uma prisão gigante e onde o que chegava de fora era escasso, o Hip-Hop foi para muitos jovens um instrumento de resistência e esperança.

Esta semana, Myanmar viveu mais um virar de página soprado pelo benigno vento da mudança: pela primeira vez em 24 anos, Aung San Suu Kyi viajou para fora do seu país. No passado dia 1 de Abril, a activista, líder da oposição e prémio Nobel da Paz foi eleita deputada pela Liga Nacional para a Democracia, o partido que lidera e que inclui nas suas fileiras Zayar Thaw, igualmente eleito deputado nas históricas eleições de Abril.

Em 2008, Zayar, actualmente com 31 anos de idade, foi condenado a 5 anos de prisão (cumpriu 3), acusado de espalhar mensagens anti-governo nas letras do seu grupo de Hip-Hop, Acid. A Amnistia Internacional considerou-o um dos muitos “prisioneiros de consciência” do país.

“Beginning”, lançado em 2000 pelos Acid, foi o primeiro disco de Hip-Hop alguma vez editado em Myanmar. O disco, apesar dos esforços do governo da altura, foi um sucesso de vendas. Nas letras das músicas havia, de facto, referências veladas a desejos de liberdade, críticas e alusões a uma certa “Lady”, como é conhecida Aung San Suu Kyi.

Zayar Thaw foi eleito deputado pelo círculo de Naypyidaw, a capital “inventada” em 2006, construída de raiz no meio da selva pela mesma Junta Militar que rebaptizou um país outrora conhecido como Birmânia. Curiosamente, o lugar de deputado de Zayar foi ocupado no passado pelo actual presidente do país, Thein Sein.


As mudanças por que Myanmar tem passado nos últimos tempos são muitas e de significado profundo. Que um músico, neste caso de Hip-Hop, esteja envolvido, a vários níveis, nessas mudanças é um sinal de esperança para a juventude birmanesa. Oxalá não falte muito até que de Myanmar venha também Hip-Hop mundano e superficial – que haja liberdade. Para tudo e mais alguma coisa.

Publicado no jornal Hoje Macau no dia 1 de Junho de 2012

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