“I am searching for faith, beauty and hip-hop
I am searching for all those who died between hip-hop and
heaven
And all souls set adrift and free from bedlam
With headstrong lyrics that rise like smoke from silver
incense burners
I wonder who stole the thunder with the rasping edge
And who banged for baptisms with butterflies,
serpentine roads
and sunsets broken by cicadas
Have we really lost our century in an hour?
Are we devoured by blind faith in the powers that be?
Are these words as tense as drawn bow strings?
Shall we rebuild the tears like sap from rubber trees?
Answer me!
Answer me you T.S. Elliots in goose down jackets
with your felt tip
urban hieroglyphs, spliff smoke, and spray paint
Answer me you soliloquists with clenched fists 'round the
mike
Answer me you angels in adidas”
Attica
Blues, “The Quest”
Houve um tempo em que, mais do que um género
musical, o Hip-Hop era, juntamente com o Rap, uma força de expressão e um
contra-poder, uma espécie de linguagem de oprimidos que servia para denunciar
opressores (“The Black CNN”, nas palavras de Chuck D, dos lendários Public
Enemy).
Com origem nas comunidades afro-americanas, o
Hip-Hop foi, desde o início e durante anos, uma expressão artística original
dos guetos, mas com o passar dos anos alcançou uma universalidade que
transformou substancialmente narrativas e discursos a ela associados.
Hoje, conotações ideológicas, políticas e
sociais foram, maioritariamente, substituídas por referências a artigos de
luxo, sexo e machismo, sinais do estrondoso sucesso comercial daquela que,
entretanto, se tornou numa das facetas mais lucrativas da indústria da música.
A alteração do discurso não significa,
necessariamente, que a realidade tenha mudado e que a opressão tenha acabado,
ou que oprimidos e opressores tenham trocado de papéis ou desaparecido do mapa.
Na verdade, continua, hoje como ontem e, com toda a probabilidade, como sempre,
a haver razões para os “T.S. Elliots in goose down jackets”, como nas palavras
dos Attica Blues, atirarem rimas que atingem como flechas o coração das
injustiças.
A mais popular forma de cultura urbana do
nosso tempo é usada ainda como linguagem de protesto e transformação social,
algo muito próximo das raízes deste género de música que deixou de ser apenas
isso para se tornar sobretudo num estilo de vida que aproximou gerações de
jovens em todo o mundo.
Foi isso que aconteceu em Myanmar, a antiga
Birmânia, hoje a despertar de um período negro, depois de anos sob o jugo de
ferro da Junta Militar.
Num país que se pareceu com uma prisão gigante
e onde o que chegava de fora era escasso, o Hip-Hop foi para muitos jovens um
instrumento de resistência e esperança.
Esta semana, Myanmar viveu mais um virar de
página soprado pelo benigno vento da mudança: pela primeira vez em 24 anos,
Aung San Suu Kyi viajou para fora do seu país. No passado dia 1 de Abril, a
activista, líder da oposição e prémio Nobel da Paz foi eleita deputada pela
Liga Nacional para a Democracia, o partido que lidera e que inclui nas suas fileiras
Zayar Thaw, igualmente eleito deputado nas históricas eleições de Abril.
Em 2008, Zayar, actualmente com 31 anos de
idade, foi condenado a 5 anos de prisão (cumpriu 3), acusado de espalhar
mensagens anti-governo nas letras do seu grupo de Hip-Hop, Acid. A Amnistia
Internacional considerou-o um dos muitos “prisioneiros de consciência” do país.
“Beginning”, lançado em 2000 pelos Acid, foi o
primeiro disco de Hip-Hop alguma vez editado em Myanmar. O disco, apesar dos
esforços do governo da altura, foi um sucesso de vendas. Nas letras das músicas
havia, de facto, referências veladas a desejos de liberdade, críticas e alusões
a uma certa “Lady”, como é conhecida Aung San Suu Kyi.
Zayar Thaw foi eleito deputado pelo círculo de
Naypyidaw, a capital “inventada” em 2006, construída de raiz no meio da selva
pela mesma Junta Militar que rebaptizou um país outrora conhecido como
Birmânia. Curiosamente, o lugar de deputado de Zayar foi ocupado no passado
pelo actual presidente do país, Thein Sein.
As mudanças por que Myanmar tem passado nos
últimos tempos são muitas e de significado profundo. Que um músico, neste caso
de Hip-Hop, esteja envolvido, a vários níveis, nessas mudanças é um sinal de
esperança para a juventude birmanesa. Oxalá não falte muito até que de Myanmar
venha também Hip-Hop mundano e superficial – que haja liberdade. Para tudo e
mais alguma coisa.
Publicado no jornal Hoje Macau no dia 1 de Junho de 2012
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