Apesar de não ter uma vida demasiado longa, o
“synth-pop” anda por cá há tempo suficiente para ter uma história repleta de
auroras e decadências, sucessos e desastres, ostracismos e reabilitações,
desaparecimentos envergonhados e regressos anunciados com trombetas e furor.
Desde o final dos anos 1970 até hoje, a música pop que trocou os instrumentos
“a sério” por máquinas e computadores percorreu um caminho sinuoso, às vezes um
calvário, para se afirmar e ser respeitada (veja-se o exemplo dos Depeche
Mode).
A reverência que os pioneiros do género – Gary
Numan, Japan, John Foxx, Soft Cell –, conquistaram devido à originalidade do
que faziam e, claro, à capacidade de darem finalmente ao mundo grandes canções
pop em esqueletos andróides, nunca foi um capital à prova de ser desbaratado, o
que aconteceu logo a partir da segunda metade dos anos 1980, quando o
“synth-pop” começou a provar o próprio veneno, tornando-se vulgar com a
popularidade.
Quase duas décadas depois, numa altura em que
as discotecas começaram a encher-se de pessoas fartas de guitarradas e nos que
lá andavam crescia o fastio das batidas ininterruptas e monótonas, o
“electroclash” recuperou a ideia de usar “sunglasses at night”, os néon, as
“leggings”, as camisolas de rede, a maquilhagem excessiva e, enfim, os sons e
os sintetizadores do “synth-pop”, copiando os arpejos dos baixos digitais e as
poses “new wave”. A moda, estava-se a ver, ia passar rápido, mas a primeira
década do segundo milénio não haveria de terminar sem que o panteão dos grandes
escultores de canções tivesse lugar reservado a uns “synth-poppers” clássicos:
os Junior Boys.
Vem este intróito a propósito dos Wanderlust, o projecto principal de dois músicos de Tianjin, Zuo Wei e Liu Di, que se desdobram, ainda, pelos Carpet of Let, Echo Vein e Silentcat/Boma Coma, nomes que dão cobertura a experiências sonoras que não estão relacionadas com o “synth-pop”, ainda que permaneçam no território das electrónicas.
Enquanto Wanderlust, Zuo Wei e Liu Di
publicaram um álbum, “Green Orchestra Party”, de 2011 (“synth-pop” “vintage” em
que passam bem por uns Soft Cell menos subtis e uns Visage menos lisérgicos,
com vocalizações a cargo de humanos com tiques robóticos) e uma mão cheia de EP
e “singles”, sendo o último de Março deste ano.
Sem a preocupação de coerência que deve
encorpar discos de longa duração, o fio condutor que liga os diversos temas
espalhados por estas edições mais recentes são a vontade que os Wanderlust têm
de refinar os vários géneros por onde se aventuram, desde o pulsar “blade
runner” de “Unnamed New Creature” até ao “electro” espacial de “Suburb Trip”,
passando pelo “techno” – “ambient” e minimal, em “Hear Some Music”, ou em modo
de homenagem a Detroit, em “Luck Choc”.
Destaque especial para o EP do final do ano
passado, “Chehovian Fyodorov Go Exotic (...And Back)”, onde os Wanderlust
incluem uns quantos interlúdios, “diversões musicais”, precisamente, que levam
o som da dupla para outros universos, como o título diz, mais “exóticos”.
Em “Night Landing/Jungle Affair”, o “single” mais
recente, editado há dois meses, ouvimos os Wanderlust ainda mais embrenhados no
exotismo experimental que, há muito tempo, fascinou Chris & Cosey.
O caminho que os Wanderlust têm vindo a
trilhar, não sendo tão acidentado quanto o do género a que se decidiram dedicar
e que se resume no início deste texto, é feito de uma evolução constante. De
disco para disco, de tema para tema, os Wanderlust vão definindo e alargando o
território com novas e inusitadas coordenadas que tornam próximos capítulos
imprevisíveis. A história não tem que repetir-se.
Publicado no jornal Hoje Macau no dia 7 de Junho de 2013
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