sábado, 8 de agosto de 2015

Em síntese


Apesar de não ter uma vida demasiado longa, o “synth-pop” anda por cá há tempo suficiente para ter uma história repleta de auroras e decadências, sucessos e desastres, ostracismos e reabilitações, desaparecimentos envergonhados e regressos anunciados com trombetas e furor. Desde o final dos anos 1970 até hoje, a música pop que trocou os instrumentos “a sério” por máquinas e computadores percorreu um caminho sinuoso, às vezes um calvário, para se afirmar e ser respeitada (veja-se o exemplo dos Depeche Mode).

A reverência que os pioneiros do género – Gary Numan, Japan, John Foxx, Soft Cell –, conquistaram devido à originalidade do que faziam e, claro, à capacidade de darem finalmente ao mundo grandes canções pop em esqueletos andróides, nunca foi um capital à prova de ser desbaratado, o que aconteceu logo a partir da segunda metade dos anos 1980, quando o “synth-pop” começou a provar o próprio veneno, tornando-se vulgar com a popularidade.

Quase duas décadas depois, numa altura em que as discotecas começaram a encher-se de pessoas fartas de guitarradas e nos que lá andavam crescia o fastio das batidas ininterruptas e monótonas, o “electroclash” recuperou a ideia de usar “sunglasses at night”, os néon, as “leggings”, as camisolas de rede, a maquilhagem excessiva e, enfim, os sons e os sintetizadores do “synth-pop”, copiando os arpejos dos baixos digitais e as poses “new wave”. A moda, estava-se a ver, ia passar rápido, mas a primeira década do segundo milénio não haveria de terminar sem que o panteão dos grandes escultores de canções tivesse lugar reservado a uns “synth-poppers” clássicos: os Junior Boys. 

Vem este intróito a propósito dos Wanderlust, o projecto principal de dois músicos de Tianjin, Zuo Wei e Liu Di, que se desdobram, ainda, pelos Carpet of Let, Echo Vein e Silentcat/Boma Coma, nomes que dão cobertura a experiências sonoras que não estão relacionadas com o “synth-pop”, ainda que permaneçam no território das electrónicas.

Enquanto Wanderlust, Zuo Wei e Liu Di publicaram um álbum, “Green Orchestra Party”, de 2011 (“synth-pop” “vintage” em que passam bem por uns Soft Cell menos subtis e uns Visage menos lisérgicos, com vocalizações a cargo de humanos com tiques robóticos) e uma mão cheia de EP e “singles”, sendo o último de Março deste ano.

Sem a preocupação de coerência que deve encorpar discos de longa duração, o fio condutor que liga os diversos temas espalhados por estas edições mais recentes são a vontade que os Wanderlust têm de refinar os vários géneros por onde se aventuram, desde o pulsar “blade runner” de “Unnamed New Creature” até ao “electro” espacial de “Suburb Trip”, passando pelo “techno” – “ambient” e minimal, em “Hear Some Music”, ou em modo de homenagem a Detroit, em “Luck Choc”.

Destaque especial para o EP do final do ano passado, “Chehovian Fyodorov Go Exotic (...And Back)”, onde os Wanderlust incluem uns quantos interlúdios, “diversões musicais”, precisamente, que levam o som da dupla para outros universos, como o título diz, mais “exóticos”.

Em “Night Landing/Jungle Affair”, o “single” mais recente, editado há dois meses, ouvimos os Wanderlust ainda mais embrenhados no exotismo experimental que, há muito tempo, fascinou Chris & Cosey.


O caminho que os Wanderlust têm vindo a trilhar, não sendo tão acidentado quanto o do género a que se decidiram dedicar e que se resume no início deste texto, é feito de uma evolução constante. De disco para disco, de tema para tema, os Wanderlust vão definindo e alargando o território com novas e inusitadas coordenadas que tornam próximos capítulos imprevisíveis. A história não tem que repetir-se.

Publicado no jornal Hoje Macau no dia 7 de Junho de 2013

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