“Lyrical poetry is out for the
time being,
and something that is called rap
or hip-hop is in.
It is still poetry, and we can’t live without
it.
We need language to tell us who
we are,
how we feel, what we’re capable
of –
to explain the pains and glory of
our existence.”
Maya
Angelou
É difícil superar a exactidão das palavras da
poeta e activista norte-americana Maya Angelou sobre a importância e
significado social do Rap e do Hip-Hop. Mais de 30 anos depois destas duas
formas de cultura popular terem surgido, depois de vendidos milhões e milhões
de discos que tornaram universalmente aceites movimentos nascidos de
comunidades isoladas em “ghettos”, continua a ser a “linguagem a dizer-nos quem
somos, como nos sentimos e do que somos capazes”. Em suma, é ainda a poesia, da
qual derivam o Rap e o Hip-Hop, que nos explica “as dores e a glória da nossa
existência”.
Foi no início dos anos 1970, nas ruas do
Bronx, em Nova Iorque, que um DJ chamado Kool Herc deu início ao fenómeno que
hoje abunda nas ruas de cidades de todo o mundo, já não meramente enquanto
“discurso” ou música, mas sobretudo como “estilo de vida”, reflectido em
códigos perceptíveis desde o vestuário às atitudes.
A China começou a assistir à propagação do Hip-Hop
depois da explosão do Rock nos anos 1980 e 1990. Actualmente, encontramos esta
expressão cultural confortavelmente instalada no “mainstream” dos media oficiais chineses, mas também
damos conta dela resistindo nas trincheiras que separam as margens alternativas
dos circuitos comerciais, onde o Rap (forma de discurso rítimico, lírica,
habitualmente estruturada em rimas), ou “shuo chang” (algo como “falar
cantar”), continua a cumprir o papel original de “levantar a voz” dos oprimidos
pelos poderosos sistemas políticos e económicos.
Não por acaso, na China, um dos primeiros
artistas a usar e divulgar a linguagem do Hip-Hop foi Cui Jian, o “pai do rock
chinês” e símbolo da geração que encheu a Praça de Tiananmen em 1989. Foi já na
segunda metade dos anos 1990 que Cui incorporou na sua música fortes
influências dos norte-americanos Public Enemy, grupo lendário que se definia
como “the CNN of black America".
Para um número crescente de jovens chineses, o
Hip-Hop é, actualmente, a forma privilegiada de expressarem a individualidade
que o regime, a família e a escola rejeitam. Esta espécie de “culto da
diferença”, apesar de estar longe de ser aprovado pelas autoridades, vai
escapando ao radar dos censores remetendo-se à semi-obscuridade dos clubes de
Hip-Hop que nasceram como cogumelos por toda a China. Para que a integridade subsista
e a sua individualidade se faça ouvir, os jovens “rappers” chineses abdicam de
eventuais carreiras lucrativas a cantarolar sobre quão maravilhosa é a vida na
República Popular. Ao invés, falam de como a corrupção domina um país que “só é
um paraíso para homens velhos e ricos” e onde “bebés morrem depois de beberem
leite”, como descreve Wang Li, “rapper” de Dongbei.
No universo cantonense, os LMF (Lazy Mutha
Fucka), de Hong Kong, cometeram a proeza de rivalizar com o sucesso do
Cantopop, apesar (ou por causa...) da controvérsia que nas suas letras rima com
linguagem ofensiva e descrições vívidas da realidade social das “camadas
desfavorecidas”, para usar o jargão oficial.
O fenómeno do “Hip-Hop de características
chinesas” atraiu, entretanto, a atenção da academia norte-americana. Angela
Steele, da Universidade de Stanford, passou uma temporada na China, onde
estudou a forma como o Hip-Hop foi apropriado pela juventude local. Nas diversas
entrevistas que realizou com “rappers” de Pequim, Xangai ou Urumqi, o sistema
de ensino chinês aparece invariavelmente identificado como um elemento de
controlo e indiferenciação, algo que os impele à revolta e à expressão de uma
identidade própria, de um estilo pessoal que poucos géneros musicais valorizam
tanto como o Hip-Hop, a escola de rua que desde o primeiro momento ensinou que
a liberdade de ser é algo que também se conquista.
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