Na Índia, todos os
dias, a toda a hora, em qualquer cidade, em qualquer lugar há uma celebração,
um casamento, uma festa religiosa. Tudo parte de um longo rol de tradições de
uma cultura quase tão antiga como o tempo, feita de diferentes impérios e
religiões, sempre atravessada pela avidez dos comerciantes e viandantes do
Mundo inteiro no encalço das rotas que iam dar ao gigante asiático, pólo de
atracção de todo o tipo de mercadorias, figuras e ideias.
No final da década
de 1980, aquela que, hoje, é a maior democracia do Mundo ainda era e ainda
seria um porto franco em plena actividade. Foi nesse trânsito que chegou a Goa,
na penúltima década do século XX, a influência de uma nova vaga de música
electrónica.
“Hippies” dos
tempos modernos, viajantes sem destino, caminheiros espirituais e outros
peregrinos de religiões nada ortodoxas povoaram a região que, durante quatro
séculos, esteve sob administração portuguesa. Ali chegaram, desde os Estados
Unidos, Inglaterra, Alemanha, Israel e França, DJ’s, escritores, realizadores e
diletantes de sortida índole, todos deslumbrados com a promessa de liberdade e
descoberta que se vislumbrava no horizonte das praias de Goa.
Os idílicos areais goeses foram o cenário das
primeiras festas onde se ouvia a música que haveria de ficar para a história
como “Goa Trance”, uma amálgama de sons que misturava Acid Techno, Rock
Psicadélico e música Hindustani, criando uma música feita de ritmos minimais,
acelerados e repetitivos, decorados com elementos orientais, étnicos e tribais
– a banda sonora ideal para sessões passadas “em transe”.
Depois das experiências electrónicas pontuais de Charanjint Singh e de mais um par de produtores de Bollywood, o Goa Trance marca o nascimento daquela que foi, de facto, a primeira vaga de música electrónica indiana.
Mais tarde, este género viria dar origem a uma
sub-cultura à escala global, apresentando ao Mundo aspectos da tradição e
cultura indiana, da arte à mitologia. Contudo, e apesar de ter nascido no
litoral indiano, o Goa Trance não foi acolhido pelos indianos como algo seu. O
lamento é de Varun Desai, produtor de música electrónica, em texto assinado no
“HUB – Indian Electronica Yearbook Project”.
A resistência indiana em valorizar os aspectos
modernos do seu próprio legado cultural colectivo encontra um perfeito
contraponto no Ocidente, onde, a partir do Goa Trance e da sua disseminação,
são hoje comuns, como aponta Varun, expressões como “yoga”, “meditação
transcendental”, ou até influências indianas em conceitos como
“sustentabilidade ecológica” e “reciclagem”.
A verdade, contudo, é que, além destas ideias,
também a própria música moderna indiana acabou por viajar para longe das suas
fronteiras naturais e geográficas, desta feita por culpa dos músicos e
produtores indianos na diáspora, sobretudo em Inglaterra e nos Estados Unidos.
A seguir à “explosão” que começou com o Goa
Trance, nomes como Asian Dub Foundation, Nitin Sawhney e Talvin Singh, entre
outros, foram os grandes embaixadores indianos no mundo da música electrónica,
combinando géneros como o Breakbeat e o Drum & Bass com sonoridades de
Bollywood e instrumentos tradicionais.
Conforme recorda Samrat B, o director do
projecto “HUB”, o auge deste movimento cultural aconteceu em 1999, quando Talvin
Singh, virtuoso da “tabla”, recebeu o prestigiante Mercury Prize pelo seu álbum
de estreia, “OK”. Este facto, naturalmente, reforçou a intensidade do foco
internacional apontado aos produtores de música electrónica indiana. (Continua)
Publicado no jornal Hoje Macau no dia 1 de Julho de 2011
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