sábado, 8 de agosto de 2015

Índia electrónica: A primeira história (II)


Na Índia, todos os dias, a toda a hora, em qualquer cidade, em qualquer lugar há uma celebração, um casamento, uma festa religiosa. Tudo parte de um longo rol de tradições de uma cultura quase tão antiga como o tempo, feita de diferentes impérios e religiões, sempre atravessada pela avidez dos comerciantes e viandantes do Mundo inteiro no encalço das rotas que iam dar ao gigante asiático, pólo de atracção de todo o tipo de mercadorias, figuras e ideias.

No final da década de 1980, aquela que, hoje, é a maior democracia do Mundo ainda era e ainda seria um porto franco em plena actividade. Foi nesse trânsito que chegou a Goa, na penúltima década do século XX, a influência de uma nova vaga de música electrónica.

“Hippies” dos tempos modernos, viajantes sem destino, caminheiros espirituais e outros peregrinos de religiões nada ortodoxas povoaram a região que, durante quatro séculos, esteve sob administração portuguesa. Ali chegaram, desde os Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, Israel e França, DJ’s, escritores, realizadores e diletantes de sortida índole, todos deslumbrados com a promessa de liberdade e descoberta que se vislumbrava no horizonte das praias de Goa.

Os idílicos areais goeses foram o cenário das primeiras festas onde se ouvia a música que haveria de ficar para a história como “Goa Trance”, uma amálgama de sons que misturava Acid Techno, Rock Psicadélico e música Hindustani, criando uma música feita de ritmos minimais, acelerados e repetitivos, decorados com elementos orientais, étnicos e tribais – a banda sonora ideal para sessões passadas “em transe”.

Depois das experiências electrónicas pontuais de Charanjint Singh e de mais um par de produtores de Bollywood, o Goa Trance marca o nascimento daquela que foi, de facto, a primeira vaga de música electrónica indiana.

Mais tarde, este género viria dar origem a uma sub-cultura à escala global, apresentando ao Mundo aspectos da tradição e cultura indiana, da arte à mitologia. Contudo, e apesar de ter nascido no litoral indiano, o Goa Trance não foi acolhido pelos indianos como algo seu. O lamento é de Varun Desai, produtor de música electrónica, em texto assinado no “HUB – Indian Electronica Yearbook Project”.
A resistência indiana em valorizar os aspectos modernos do seu próprio legado cultural colectivo encontra um perfeito contraponto no Ocidente, onde, a partir do Goa Trance e da sua disseminação, são hoje comuns, como aponta Varun, expressões como “yoga”, “meditação transcendental”, ou até influências indianas em conceitos como “sustentabilidade ecológica” e “reciclagem”.

A verdade, contudo, é que, além destas ideias, também a própria música moderna indiana acabou por viajar para longe das suas fronteiras naturais e geográficas, desta feita por culpa dos músicos e produtores indianos na diáspora, sobretudo em Inglaterra e nos Estados Unidos.

A seguir à “explosão” que começou com o Goa Trance, nomes como Asian Dub Foundation, Nitin Sawhney e Talvin Singh, entre outros, foram os grandes embaixadores indianos no mundo da música electrónica, combinando géneros como o Breakbeat e o Drum & Bass com sonoridades de Bollywood e instrumentos tradicionais.


Conforme recorda Samrat B, o director do projecto “HUB”, o auge deste movimento cultural aconteceu em 1999, quando Talvin Singh, virtuoso da “tabla”, recebeu o prestigiante Mercury Prize pelo seu álbum de estreia, “OK”. Este facto, naturalmente, reforçou a intensidade do foco internacional apontado aos produtores de música electrónica indiana. (Continua)

Publicado no jornal Hoje Macau no dia 1 de Julho de 2011

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