sábado, 8 de agosto de 2015

Índia electrónica: A primeira história (III)


Na Índia, ao reconhecimento e sucesso internacional alcançados pelos indianos da diáspora seguiu-se o aparecimento em série de projectos que “imitavam” as iniciativas de fundir elementos tradicionais com as sonoridades contemporâneas.

No final da última década do século XX, mesmo na conservadora Índia, iam longe, de perder de vista, os tempos em que Charanjit Singh era um pioneiro solitário ao leme dos misteriosos sintetizadores e caixas de ritmos Roland. O exclusivo dos estúdios profissionais de Bollywood onde se deram as primeiras aventuras electrónicas na música indiana cedeu o “lugar da magia” à intimidade dos estúdios caseiros equipados com os computadores, o “software” e a Internet que revolucionaram a forma de produzir e distribuir música. Com a progressiva democratização do acesso à tecnologia foi apenas natural que a nova música se espalhasse como um vírus.

Hoje, a electrónica que se faz na Índia atingiu o ponto em que já é, apenas e só, música electrónica – uma linguagem universal, sem nacionalidade. É um grande passo para uma música que nasceu da necessidade de quebrar tradições, inovar e fazer ouvir diferentes vozes – tarefas particularmente difíceis num país com a história e dimensão da Índia, sempre amarrada aos espartilhos conservadores dos costumes.

Num mundo digital, os produtores indianos estão, finalmente, em pé de igualdade com todos os outros e gozam da liberdade que advém da independência e auto-suficiência tecnológica que não era possível na antiga indústria musical, entretanto desfeita em colapso. Mas não foi apenas a indústria que passou por transformações radicais.

A crescente popularidade da música electrónica e o advento tecnológico influenciaram, por vias directas ou indirectas, mas de forma decisiva, a escala de valores sociais e o ambiente urbano indiano. De acordo com Ma Faiza, que assina um dos textos de “HUB – Indian Electronica Yearbook Project”, uma das mudanças mais significativas e visíveis é o aparecimento do DJ enquanto mito ou herói dos tempos modernos. Simultaneamente artistas e estrelas, os DJ surgem como símbolo de uma ascensão social que, na Índia, desde tempos imemoriais, é apenas uma miragem. Representam os valores que norteiam as juventudes contemporâneas de toda a parte e entre as quais a indiana não é excepção: dinheiro, fama, diversão, atracção, desprendimento e liberdade das amarras dos ofícios convencionais.

Em apenas 5 anos, de 2005 até 2010, houve uma autêntica explosão e a figura do DJ tornou-se omnipresente no imaginário e tecido social, sendo assídua dos restaurantes “trendy” das grandes cidades aos anúncios da publicidade passando, obviamente, pelos luxuosos clubes nocturnos que, entretanto, surgiram em grande quantidade.

Contudo, apesar de estar em constante crescimento, a música electrónica não domina o consumo comercial ou o “air play” das rádios indianas, e é altamente provável que nunca venha a fazê-lo.
Ainda assim, convém ter presente o muito que aconteceu somente no espaço de dez anos. Do obscurantismo à ribalta, passando pelas margens, o caminho das (ainda relativamente) novas expressões tem sido sinuoso, mas sempre marcado por uma persistência assinalando que a música electrónica, na Índia, veio para ficar.

Na Europa, a música electrónica luta para continuar relevante e hoje, tal como fizeram há 40 anos os arautos da então nova música, são os DJ e demais produtores dos centros europeus que voltam a procurar a Índia como musa inspiradora.

O último exemplo partiu de Ricardo Villalobos. O chileno naturalizado alemão, produtor de referência do Techno mais minimal e “avant garde”, anunciou recentemente estar a trabalhar numa banda sonora para um filme de Bollywood.

Nesta aventura, Villalobos conta com a parceria do alemão Max Loderbauer (com quem o chileno revisitou, há pouco tempo, o catálogo da editora ECM num disco altamente recomendável, “Re:ECM”), e também com o actor e produtor Shahrukh Khan, conhecido como “o rei de Bollywood”. Apesar das pistas de que a dupla sedeada em Berlim quer tornar a música que enfeita os filmes da indústria de Bombaim mais próxima das pistas de dança ocidentais, o que será ao certo este disco ainda está no segredo dos deuses.


Aconteça o que acontecer, é provável que este venha a ser mais um capítulo com potencial transformador e catalisador das (muitas) revoluções que ainda estão por vir. E, se assim for, tudo, uma vez mais, vai começar lá para os lados de Bollywood, onde os sonhos, afinal, se tornam realidade, especialmente desde que a celulóide deu lugar ao digital.

Publicado no jornal Hoje Macau no dia 8 de Julho de 2011

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