Na Índia, ao reconhecimento e sucesso
internacional alcançados pelos indianos da diáspora seguiu-se o aparecimento em
série de projectos que “imitavam” as iniciativas de fundir elementos
tradicionais com as sonoridades contemporâneas.
No final da última década do século XX, mesmo
na conservadora Índia, iam longe, de perder de vista, os tempos em que
Charanjit Singh era um pioneiro solitário ao leme dos misteriosos
sintetizadores e caixas de ritmos Roland. O exclusivo dos estúdios
profissionais de Bollywood onde se deram as primeiras aventuras electrónicas na
música indiana cedeu o “lugar da magia” à intimidade dos estúdios caseiros
equipados com os computadores, o “software” e a Internet que revolucionaram a forma
de produzir e distribuir música. Com a progressiva democratização do acesso à
tecnologia foi apenas natural que a nova música se espalhasse como um vírus.
Hoje, a electrónica que se faz na Índia
atingiu o ponto em que já é, apenas e só, música electrónica – uma linguagem
universal, sem nacionalidade. É um grande passo para uma música que nasceu da
necessidade de quebrar tradições, inovar e fazer ouvir diferentes vozes –
tarefas particularmente difíceis num país com a história e dimensão da Índia,
sempre amarrada aos espartilhos conservadores dos costumes.
Num mundo digital, os produtores indianos
estão, finalmente, em pé de igualdade com todos os outros e gozam da liberdade
que advém da independência e auto-suficiência tecnológica que não era possível
na antiga indústria musical, entretanto desfeita em colapso. Mas não foi apenas
a indústria que passou por transformações radicais.
A crescente popularidade da música electrónica
e o advento tecnológico influenciaram, por vias directas ou indirectas, mas de
forma decisiva, a escala de valores sociais e o ambiente urbano indiano. De
acordo com Ma Faiza, que assina um dos textos de “HUB – Indian Electronica
Yearbook Project”, uma das mudanças mais significativas e visíveis é o
aparecimento do DJ enquanto mito ou herói dos tempos modernos. Simultaneamente
artistas e estrelas, os DJ surgem como símbolo de uma ascensão social que, na
Índia, desde tempos imemoriais, é apenas uma miragem. Representam os valores
que norteiam as juventudes contemporâneas de toda a parte e entre as quais a
indiana não é excepção: dinheiro, fama, diversão, atracção, desprendimento e
liberdade das amarras dos ofícios convencionais.
Em apenas 5 anos, de 2005 até 2010, houve uma
autêntica explosão e a figura do DJ tornou-se omnipresente no imaginário e
tecido social, sendo assídua dos restaurantes “trendy” das grandes cidades aos
anúncios da publicidade passando, obviamente, pelos luxuosos clubes nocturnos
que, entretanto, surgiram em grande quantidade.
Contudo, apesar de estar em constante
crescimento, a música electrónica não domina o consumo comercial ou o “air
play” das rádios indianas, e é altamente provável que nunca venha a fazê-lo.
Ainda assim, convém ter presente o muito que
aconteceu somente no espaço de dez anos. Do obscurantismo à ribalta, passando
pelas margens, o caminho das (ainda relativamente) novas expressões tem sido
sinuoso, mas sempre marcado por uma persistência assinalando que a música
electrónica, na Índia, veio para ficar.
Na Europa, a música electrónica luta para continuar
relevante e hoje, tal como fizeram há 40 anos os arautos da então nova música,
são os DJ e demais produtores dos centros europeus que voltam a procurar a
Índia como musa inspiradora.
O último exemplo partiu de Ricardo Villalobos.
O chileno naturalizado alemão, produtor de referência do Techno mais minimal e
“avant garde”, anunciou recentemente estar a trabalhar numa banda sonora para
um filme de Bollywood.
Nesta aventura, Villalobos conta com a
parceria do alemão Max Loderbauer (com quem o chileno revisitou, há pouco
tempo, o catálogo da editora ECM num disco altamente recomendável, “Re:ECM”), e
também com o actor e produtor Shahrukh Khan, conhecido como “o rei de
Bollywood”. Apesar das pistas de que a dupla sedeada em Berlim quer tornar a
música que enfeita os filmes da indústria de Bombaim mais próxima das pistas de
dança ocidentais, o que será ao certo este disco ainda está no segredo dos
deuses.
Aconteça o que acontecer, é provável que este
venha a ser mais um capítulo com potencial transformador e catalisador das
(muitas) revoluções que ainda estão por vir. E, se assim for, tudo, uma vez
mais, vai começar lá para os lados de Bollywood, onde os sonhos, afinal, se
tornam realidade, especialmente desde que a celulóide deu lugar ao digital.
Publicado no jornal Hoje Macau no dia 8 de Julho de 2011
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