“Life is too short for boring music” (“A vida
é curta demais para música aborrecida”). Nunca mais esqueci esta frase que vi,
pela primeira vez, na página electrónica da extinta EFA, a distribuidora de
editoras independentes que levava a sério os anúncios que fazia. É verdade: não
podemos desperdiçar tempo, que é insuficiente, com o que não merece. Este
truísmo assume particular evidência no momento em que vivemos, marcado por uma
profusão inédita de música a que se junta a do passado, tudo disponibilizado
através de um acesso mais facilitado do que nunca. Em teoria, toda a história
da música alguma vez gravada pode ser armazenada num único computador ou numa
“nuvem”, as modernas “clouds” que nos seguem para todo o lado.
Esta forma promíscua de passado e presente
conviverem lado a lado com as distâncias temporais esbatidas (longe mas perto,
velho mas novo, sempre à nossa inteira e imediata disposição) tem, entre
outros, impacto na forma como é produzida actualmente muita música, especialmente
aquela em que diferentes eras, tradições, géneros ou culturas são condensadas
para caber em cinco minutos.
No fundo, o que nomes como DJ Shadow, Flying
Lotus ou Gonja Sufi (e o Kanye West de “Yeezus”, já agora) fazem juntando
pedaços distantes da história da música pode ser comparado às voltas
alucinantes do Super-Homem em torno da Terra, quebrando a barreira do tempo e
do espaço. Literalmente supersónico.
Yosi Horikawa não se lança propriamente na
ultrapassagem da barreira do som, nem nesse exercício de arqueologia digital só
tornado possível pela tecnologia, mas através da música que produz procura
combater a erosão que a passagem do tempo provoca na percepção dos ouvinte
actuais, habituados a estímulos constantes e a torrentes de informação (sobretudo
na Internet, onde tudo se passa), constantemente distraídos e com a capacidade
de concentração de borboletas que cedo se esgotam e se entregam à apatia e à
indiferença. E é isto que Yosi Horikawa teme: que quem escuta a sua música se
entedie.
A confissão tem sido repetida nas entrevistas
a propósito do álbum de estreia, “Vapor”, onde o japonês de 34 anos combate o
medo da música “chata” explorando um espectro sonoro alargado que não dispensa
a repetição (“loops”), mas que investe tudo em “fluxos” e “desenvolvimentos” –
expressões usadas por Yosi à Red Bull Music Academy, onde foi “aluno” quando a
escola de música electrónica itinerante estacionou em Madrid, em 2011.
Em “Vapor”, diz Yozi Horikawa ao Japan Times,
há temas que têm cerca de uma centena de camadas de sons e efeitos – sons
reais, electrónicos, acústicos, da natureza, mas também “samples” de diversas
fontes –, codificados em linguagens que vão do “hip-hop” ao “jazz”, passando
pelo “ambient” versão “chill out”, pela música experimental ou pela “house
music”. Por vezes, os diferentes géneros sucedem-se no mesmo tema,
desdobrando-se numa progressão que, nos momentos finais do disco, em fase de
desaceleração, adquire os poderes da hipnose e quase nos abandona à letargia.
Mas é nos diferentes estratos das sonoridades
que nos fixamos a maior parte do tempo, sem sabermos ao que prender a atenção,
se à melodia das linhas sintéticas, aos ritmos, aos baixos ou aos detalhes que
conseguimos perceber depois de nos abstrairmos da quase cacofonia.
Tematicamente, a música de Yosi Horikawa
ocupa-se de prazeres simples (“Beer”) ou reminiscências da infância (“Summer in
1987”), sempre com o mesmo cuidado de que a história que nos é contada seja
cativante e que a atracção ao som pelo som seja permanente. Atravessa o disco
ainda um fascínio pela natureza manifesto no uso de sons de animais, da chuva
ou da trovoada, mas também no modo como os temas são selvas de sons – com a
organização natural própria de ecossistemas, funções complementares e o
alheamento ao destino que liberta os seres vivos para a fruição de cada
momento, ou seja, cada som.
“Vapor” é um disco marcado pelo corrupio
interior do seu autor que tem reflexo na forma intrincada como a música é
arquitectada, mesmo que Yosi se abandone, na maior parte do tempo, a hábitos de
placidez (“Wandering”, “Rainbow”, “Letters”), ou mesmo que, findo o último
tema, da complexidade das 16 faixas tenhamos retido apenas uma impressão vaga.
Um vapor. Todavia, é o que basta para incensar a vontade de voltar a ouvir
tudo. Do princípio.
“Vapor”
Yosi
Horikawa
First
Word Records, 2013
Publicado no jornal Hoje Macau no dia 12 de Julho de 2013
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