sábado, 8 de agosto de 2015

Música industria IIl: Sai mais um plano quinquenal


No seu último discurso como secretário-geral do Partido Comunista Chinês, na abertura do 18º Congresso, realizado em Novembro, Hu Jintao disse a certa altura que a “cultura é a alma de uma nação”. Tal como inúmeras outras frases ditas ao longo daqueles 100 minutos, esta em particular também primou por querer dizer tudo e, ao mesmo tempo, nada. No entanto, face à impossibilidade de interpelar directamente o líder chinês, a ambiguidade e amplitude expressiva das suas palavras – objecto de um esmiuçar atento em todo o mundo – conferem à linguagem usada uma aura de gravidade invulgar, ainda que só percebamos verdadeiramente a sua intenção uns tempos mais tarde, quando a realidade traduzir o discurso na acção. Foi isso que aconteceu agora quando o Governo Central anunciou o plano de, ao longo dos próximos dez anos, investir 14 mil milhões de renminbis na construção do “Vale da Música”, numa área rural próxima de Pequim.

De acordo com o jornal The Guardian, está previsto nascer no vale de Pinggu um complexo de estúdios de gravação, fábricas de instrumentos, escolas de música, hotéis de cinco estrelas e uma sala de espectáculos com a forma de uma flor de pêssego (um dos símbolos de Pinggu, que já tem tradição também no fabrico de violinos).

Na China, a aposta do Estado nas artes e na cultura não é novidade. Desde 2003, a produção da indústria do cinema, por exemplo, quadruplicou. Contudo, a indústria da música tem tido sorte diferente, o que os especialistas explicam, em parte, devido à pirataria – a Federação Internacional da Indústria Fonográfica afirma que a taxa de pirataria na China é de “virtualmente 100 por cento” – e ao próprio controlo governamental (leia-se “censura”).

As questões económicas que derivam da elevada incidência da pirataria serão determinantes, certamente, para justificar que a indústria musical seja, ainda, incipiente, mas a interferência estatal através da regulação excessiva dos conteúdos aprovados para as televisões, rádios e Internet são entendidos como a origem dos maiores problemas.

Mas o dinheiro, que poderia trazer liberdade aos artistas, caso vissem a sua cor, também tem limitado a criatividade.

Scarlett Li, fundadora de uma empresa que organiza festivais de música, disse ao jornal inglês que, em vez de investir em talento, os governos locais têm seguido uma política de investimento dos apoios estatais em infra-estruturas – projectos (normalmente megalómanos) de edifícios, sem que os subsídios cheguem directamente aos artistas.

Do outro lado da questão, claro, estão os músicos (cada vez mais, aparentemente), que olham com toda a desconfiança para qualquer iniciativa do Governo Central no âmbito das artes e da cultura. São os artistas que têm conseguido viver do seu ofício, sem, todavia, almejarem grandes voos pelos passeios da fama. A banda de Pequim P.K.14 é um desses exemplos.

Ao Guardian, o vocalista Yan Haisong confessava que ninguém do seu círculo de amigos e colegas está minimamente interessado em projectos como o “Vale da Música”. Por quê? “Misturar música e política é estranho, porque a música que daí resultar não vai, simplesmente, ser de qualidade. Se realmente querem melhorar a cultura, têm de abrir-se um pouco mais”.

Dir-se-ia que até nem é preciso abrir demasiado os horizontes. Bastaria, por exemplo, olhar para o lado, para a vizinha Coreia do Sul, afinal o melhor exemplo (porque actual) de uma indústria musical planificada e pujante. É pedir muito?


Publicado no jornal Hoje Macau no dia 4 de Janeiro de 2013 

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