“Nunca penso em termos como ‘lindo’ ou ‘feio’
porque são demasiado subjectivos. Algo que é lindo para alguém pode ser muito
feio para outra pessoa e vice-versa. Quando fazemos música, os únicos
parâmetros necessários ter em conta são o tempo e o som. Por vezes, penso até
que o som nem sequer é assim tão necessário. Tem tudo que ver com o tempo.”
Quem fala assim é Zbigniew Karkowski, que, nesta entrevista à página
electrónica Disquiet Junto, datada de 2000, é apresentado como “retrato do artista
sonoro moderno”.
Por essa Internet fora e em inúmeras críticas
e artigos de jornais e revistas não faltam elogios e títulos conferidos a este
polaco nascido em 1958. Um resumo possível dos panegíricos pode ser encontrado
nas palavras da editora Sub Rosa, casa que dá a chancela ao último trabalho de
Zbigniew Karkowski, “Nerve cell_0 (for cello and computer)” (2012), assinado a
meias com o violoncelista Anton Lukoszevieze: “Um dos mais influentes
compositores actuais de música electrónica. Juntando os mundos da composição
moderna e da música industrial, Zbigniew Karkowski é uma figura central no
desenvolvimento do “noise” vanguardista”. Logo a seguir, a casa belga
acrescenta: “Constantemente na estrada, actua frequentemente nas margens
geográficas da cultura da música experimental, e também é assíduo nos palcos do
mais estabelecido circuito dos festivais”.
Aproveitando a deixa, apraz saber que Macau
surge agora como ponto dessa geografia marginal da cultura da música
experimental (o circuito dos festivais até existe, mas fica-se por outras
andanças), já que o território recebe, este domingo, Zbigniew Karkowski.
“Noise-on-Site : Prologue” é o nome do
concerto cujo alinhamento é encabeçado pelo polaco, e que conta, ainda, com
Sin:Ned (Wong Chung-fai), de Hong Kong, e e:ch, projecto de Eric Chan (Forget
the G, Macau), dedicado à música experimental/noise/drone.
Nestas páginas, já anteriormente se mencionou
o nome de Zbigniew Karkowski a propósito da cena “noise” chinesa, que teve no
polaco um impulsionador (e, de certa forma, um dos seus teóricos e
‘historiadores’). Foi o polaco, por exemplo, que assinou, com Yan Jun, o ensaio
“The Sound of the Underground, Experimental and Non-Academic Musics in China”,
que acompanha “An Anthology of Chinese Experimental Music”, compilação
essencial para compreender a realidade do submundo artístico do antigo Império
do Meio.
Durante vários anos, Zbigniew Karkowski foi
residente no Japão, o que lhe permitiu acompanhar de perto a génese do
movimento de música experimental na China, tal como o desenvolvimento da cena
japonesa.
Em nome próprio, desde o início dos anos 1980,
Zbigniew Karkowski tem editado discos (mais de uma centena em diversas editoras
de todo o mundo) e composto para diferente meios (filmes, exposições, instalações,
teatro, dança), bem como colaborado com The Hafler Trio, Blixa Bargeld,
Merzbow, Tetsuo Furudate, Francisco Lopez, ou Li Chin Sung, entre muitos
outros. No extenso currículo, saltam ainda à vista os estudos que levou a cabo
com ilustres como Olivier Messiaen, Pierre Boulez, Iannis Xenakis ou Georges
Aperghis.
Palavra de novo à Sub Rosa: “Zbigniew
Karkowski está convencido de que a responsabilidade do artista moderno é viajar
e trabalhar à volta do mundo, de modo a aprender e compreender diferentes culturas
e, assim, descobrir a verdade acerca de nós e do nosso planeta. Também acredita
firmemente que o exílio geográfico, político e social é uma condição necessária
para uma criação artística honesta e verdadeira.” Depois, uma espécie de aviso:
“Ele não está interessado na definição tradicional de música; na sua opinião,
todos os sistemas e teorias musicais, enquanto conceitos culturais, devem ser
destruídos”.
Esta ideia de destruição parece oferecer um
contraste óbvio e simultaneamente paradoxal às ideias de minimalismo e
repetição que fazem parte do cânone (os puristas que me perdoem) da música
experimental a partir da segunda metade do século XX. Ainda que, ao ouvido
destreinado, o “noise” não deixe de ser, apenas, “noise”, isto é, “barulho”,
não temos outro remédio se não acreditar num artista dedicado como Zbigniew
Karkowski quando diz que não quer parar no tempo e repetir o que já fez,
procurando, a cada momento, alargar o espectro do seu trabalho.
Nesta expressão chamada “noise” há uma noção
que convém não esquecer: desafio. É, na verdade, com provocação que se incita a
afrontar (a impetuosidade ou, se quisermos, violência associada ao verbo não é
casual) convenções, preconceitos e ideias estabelecidas que são tentadas para
uma espécie de jogo complexo, com regras difíceis, através do qual se descobrem
ou redescobrem novos e velhos sentidos e significados, conhecimentos e
concepções por vezes antigas e fundamentais que damos por adquiridas e
imutáveis mas que, uma vez por outra, nos surpreendem. Assim haja vontade. E
coragem.
“Noise-on-Site : Prologue”
Zbigniew Karkowski (Polónia)
Sin:Ned (Hong Kong)
e:ch (Macau)
13.01.2013
20h00
Live Music Association
Av. Do Coronel Mesquita, 48-48D, Edif. Ind.
Man Kei,10B
Publicado no jornal Hoje Macau no dia 11 de Janeiro de 2013
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