sábado, 8 de agosto de 2015

O som e a fúria


“Nunca penso em termos como ‘lindo’ ou ‘feio’ porque são demasiado subjectivos. Algo que é lindo para alguém pode ser muito feio para outra pessoa e vice-versa. Quando fazemos música, os únicos parâmetros necessários ter em conta são o tempo e o som. Por vezes, penso até que o som nem sequer é assim tão necessário. Tem tudo que ver com o tempo.” Quem fala assim é Zbigniew Karkowski, que, nesta entrevista à página electrónica Disquiet Junto, datada de 2000, é apresentado como “retrato do artista sonoro moderno”.

Por essa Internet fora e em inúmeras críticas e artigos de jornais e revistas não faltam elogios e títulos conferidos a este polaco nascido em 1958. Um resumo possível dos panegíricos pode ser encontrado nas palavras da editora Sub Rosa, casa que dá a chancela ao último trabalho de Zbigniew Karkowski, “Nerve cell_0 (for cello and computer)” (2012), assinado a meias com o violoncelista Anton Lukoszevieze: “Um dos mais influentes compositores actuais de música electrónica. Juntando os mundos da composição moderna e da música industrial, Zbigniew Karkowski é uma figura central no desenvolvimento do “noise” vanguardista”. Logo a seguir, a casa belga acrescenta: “Constantemente na estrada, actua frequentemente nas margens geográficas da cultura da música experimental, e também é assíduo nos palcos do mais estabelecido circuito dos festivais”.

Aproveitando a deixa, apraz saber que Macau surge agora como ponto dessa geografia marginal da cultura da música experimental (o circuito dos festivais até existe, mas fica-se por outras andanças), já que o território recebe, este domingo, Zbigniew Karkowski.

“Noise-on-Site : Prologue” é o nome do concerto cujo alinhamento é encabeçado pelo polaco, e que conta, ainda, com Sin:Ned (Wong Chung-fai), de Hong Kong, e e:ch, projecto de Eric Chan (Forget the G, Macau), dedicado à música experimental/noise/drone.

Nestas páginas, já anteriormente se mencionou o nome de Zbigniew Karkowski a propósito da cena “noise” chinesa, que teve no polaco um impulsionador (e, de certa forma, um dos seus teóricos e ‘historiadores’). Foi o polaco, por exemplo, que assinou, com Yan Jun, o ensaio “The Sound of the Underground, Experimental and Non-Academic Musics in China”, que acompanha “An Anthology of Chinese Experimental Music”, compilação essencial para compreender a realidade do submundo artístico do antigo Império do Meio.

Durante vários anos, Zbigniew Karkowski foi residente no Japão, o que lhe permitiu acompanhar de perto a génese do movimento de música experimental na China, tal como o desenvolvimento da cena japonesa.

Em nome próprio, desde o início dos anos 1980, Zbigniew Karkowski tem editado discos (mais de uma centena em diversas editoras de todo o mundo) e composto para diferente meios (filmes, exposições, instalações, teatro, dança), bem como colaborado com The Hafler Trio, Blixa Bargeld, Merzbow, Tetsuo Furudate, Francisco Lopez, ou Li Chin Sung, entre muitos outros. No extenso currículo, saltam ainda à vista os estudos que levou a cabo com ilustres como Olivier Messiaen, Pierre Boulez, Iannis Xenakis ou Georges Aperghis.

Palavra de novo à Sub Rosa: “Zbigniew Karkowski está convencido de que a responsabilidade do artista moderno é viajar e trabalhar à volta do mundo, de modo a aprender e compreender diferentes culturas e, assim, descobrir a verdade acerca de nós e do nosso planeta. Também acredita firmemente que o exílio geográfico, político e social é uma condição necessária para uma criação artística honesta e verdadeira.” Depois, uma espécie de aviso: “Ele não está interessado na definição tradicional de música; na sua opinião, todos os sistemas e teorias musicais, enquanto conceitos culturais, devem ser destruídos”.

Esta ideia de destruição parece oferecer um contraste óbvio e simultaneamente paradoxal às ideias de minimalismo e repetição que fazem parte do cânone (os puristas que me perdoem) da música experimental a partir da segunda metade do século XX. Ainda que, ao ouvido destreinado, o “noise” não deixe de ser, apenas, “noise”, isto é, “barulho”, não temos outro remédio se não acreditar num artista dedicado como Zbigniew Karkowski quando diz que não quer parar no tempo e repetir o que já fez, procurando, a cada momento, alargar o espectro do seu trabalho.

Nesta expressão chamada “noise” há uma noção que convém não esquecer: desafio. É, na verdade, com provocação que se incita a afrontar (a impetuosidade ou, se quisermos, violência associada ao verbo não é casual) convenções, preconceitos e ideias estabelecidas que são tentadas para uma espécie de jogo complexo, com regras difíceis, através do qual se descobrem ou redescobrem novos e velhos sentidos e significados, conhecimentos e concepções por vezes antigas e fundamentais que damos por adquiridas e imutáveis mas que, uma vez por outra, nos surpreendem. Assim haja vontade. E coragem.

“Noise-on-Site : Prologue”

Zbigniew Karkowski (Polónia)
Sin:Ned (Hong Kong)
e:ch (Macau)

13.01.2013
20h00

Live Music Association
Av. Do Coronel Mesquita, 48-48D, Edif. Ind. Man Kei,10B

Publicado no jornal Hoje Macau no dia 11 de Janeiro de 2013


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