sábado, 8 de agosto de 2015

Música industrial: Não é o fim do mundo


No passado dia 21 de Dezembro, a data que pôs o mundo a pensar no fim, o vídeo que dá pelo nome de “PSY - GANGNAM STYLE (강남스타일) M/V” tornou-se no mais visto de sempre do Youtube, ultrapassando a espantosa marca de mil milhões de visualizações. Desde esse dia, e até à hora em que escrevo estas linhas, a contagem cresceu mais de 53 milhões de vezes. Assim por alto, a cada minuto que passa, o vídeo sul-coreano é visto mais de quatro mil vezes.

Este sucesso, que tem tanto de estrondoso como de enigmático (aparentemente, uma boa fatia da população mundial, ao contrário do que nos faziam crer, tem os ouvidos bem abertos para o que, ainda assim, podemos chamar de “weird music”, cantada numa língua que apenas uma minoria percebe), dirá algumas coisas sobre o planeta que habitamos e levantará algumas questões. Uma, de acordo com o excelente ‘site’ The Quietus, interpela-nos: “Será que 2012 vai ficar na história da música como o ano em que o resto do mundo, finalmente, percebeu que a melhor música Pop é feita actualmente na Coreia do Sul?”

Na verdade, parece ter sido nos últimos doze meses que o mundo, o ocidental em particular, descobriu a chamada “K-Pop”. Na Ásia, contudo, os países vizinhos da Coreia do Sul, sobretudo a China e o Japão, andam há pelo menos uma década entretidos com a “Hallyu Wave” (a “Onda Coreana”). Aqui ao lado, em Hong Kong (e por arrastão em Macau), 2012 fica especialmente marcado como o ano do ressurgimento (devido ao fenómeno Psy, sem dúvida) do fascínio em torno da cultura e entretenimento de origem sul-coreana, depois de, nos últimos dez anos, essa relação amorosa ter sido feita de altos e baixos.

Nos últimos meses, alguns dos maiores nomes da “K-Pop” estiveram em Hong Kong (Yoon-A, das populares Girls’ Generation, Big Bang, T-ara, 2AM, ZE:A, f(x), e, claro, o inevitável Psy, que se deu também ao trabalho de uma brevíssima e custosa passagem por Macau), e o território vizinho haveria mesmo de ser escolhido como palco da edição deste ano do Mnet Asian Music Awards (MAMA), a maior cerimónia da indústria musical na Ásia. Em 2010, ano em que o festival criado em 1999 saiu pela primeira vez de solo coreano, o MAMA realizou-se em Macau e, no ano seguinte, rumou a Singapura.

O facto de o festival rodar em digressão demonstra o forte compromisso da organização e da indústria musical sul-coreana em fazer a “Hallyu Wave” continuar a avançar pela Ásia e, de caminho, preparar a invasão global. Prova também que, nisto tudo, há um método.

No artigo publicado no The Quietus, Robert Barry lembra a certa altura que a Coreia do Sul é um país que, em termos económicos, é dominado pelo sector da alta tecnologia. “Um país onde uma coisa chamada ‘vício da Internet’ é uma desordem psiquiátrica reconhecida que afectará cerca de 80 por cento da população.” Nota ainda o autor que “a música Pop costuma ser melhor quanto mais reflectir os processos de produção do tempo em que se insere.” Temos assim, a título de exemplo, que, em Detroit, “a Motown deu-nos o som dos interfaces homens-máquinas ‘fordianos’ que habitavam as fábricas de automóveis”; depois, o Techno, “o som dessas mesmas fábricas a substituírem os humanos por computadores”.

Na Coreia do Sul, “talvez a K-Pop seja a expressão sónica do processo de produção de uma nova economia virtual, fazendo a ligação entre a alta finança e a indústria electrónica de consumo”.
Este tipo de linguagem que nos remete tanto para as linhas de produção em série como para o universo da realidade virtual parece, efectivamente, o mais adequado para abordar o fenómeno da “Onda Coreana” (que, além da música, inclui também cinema, séries de televisão e vídeo-jogos, entre outra parafernália).

De acordo com os relatos de agentes da indústria “K-Pop”, nas (muitas) histórias de sucesso nada acontece por acaso. Antes de serem apresentados ao mundo, os “ídolos coreanos” são sujeitos a intensos treinos de voz e dança, nunca esquecendo o visual infimamente trabalhado ao detalhe e até que, muitas vezes, os aspectos originais fiquem irreconhecíveis. Os planos estratégicos de longo prazo passam, também, por meticulosas campanhas de ‘marketing’ que têm, hoje, uma poderosa ferramenta nas redes sociais.

Tudo isto se aplica a qualquer indústria musical digna desse nome, mas os coreanos são minuciosos como poucos: para chegarem directamente aos fãs chineses, por exemplo, os artistas sul-coreanos criam contas no ‘site’ Weibo (o equivalente de “microblogging” na China), e as actuações são talhadas especificamente para cada cidade (o que inclui versões de temas populares locais, entre outros mimos).

E a música? Nada de diferente do que pulula nas televisões, rádios e Internet ocidentais. Como sintetiza Robert Barry: “Uma música que persegue uma certa sensação de aceleração: simplificada, comprimida, eficiente, apropriando-se de elementos já presentes em abundância na Pop americana e no R&B.” Um mundo calculado e vivido ao segundo, porque, como dita a velha máxima capitalista, tempo é dinheiro.

(continua)

Publicado no jornal Hoje Macau no dia 28 de Dezembro de 2012 

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