sábado, 8 de agosto de 2015

Power to the trio



Guitarra, baixo e bateria. Nunca foi preciso muito mais para que se cumprisse o rock’n’roll. Desde The Jimi Hendrix Experience que a expressão “power trio” se tornou corriqueira para apresentar bandas com o número de elementos que é exactamente “a conta que Deus fez”, três.

O simbolismo de união e equilíbrio que aparece na Santíssima Trindade ou nos três sobrinhos do Pato Donald (como lembra a sempre cheia de bonomia e democrática Wikipedia) não poderia, claro, escapar ao mundo da música.

ZO (guitarra), Fun (baixo) e Atom (bateria e voz) formam a banda que é, na China, talvez a mais prolífica e demonstrativa das qualidades de um verdadeiro “power trio” (os Carsick Cars serão os mais conhecidos, mas também os que têm maior apetência para se perderem em digressões experimentalistas e “shoegazers”, mostrando mais vontade em revolver mentes do que menear ancas).

Os Hedgehog existem desde 2005 e, até agora, contam sete álbuns de originais na sua discografia (precisamente, dá um por ano). O mais recente, “Sun Fun Gun”, é de 2012 e tem sido agraciado com encómios do género “melhor disco da banda”. Não é caso para menos.

Para os Hedgehog, o disco lançado este ano representou uma espécie de recomeço. Além de marcar a estreia do baixista Fun (He Yifan), “Sun Fun Gun” enceta também um rol de colaborações internacionais: pela primeira vez, recorreram aos créditos de um produtor estrangeiro, John Grew, e arregimentaram Gillian Rivers (violinista que colaborou com gente tão diversa como MGMT, Yeah Yeah Yeahs, Mountain Goats, TV On The Radio ou Sonic Boom, dos Spacemen 3) para um aparição no tema “Choose Whatever You Want All The Time”. Convocarama, ainda, Yan Yu Long (dos compatriotas Chui Wan) para tocar violino em “The Loneliest Day”.

Em “Sun Fun Gun”, a carta de intenções dos Hedgehog mantém-se, no entanto, a mesma de sempre: criar uma sonoridade própria onde irrompe um forte apelo “pop” que se eleva sólido na estrutura que combina influências punk, psicadélicas e“noise”. De absolutamente novo, haverá nos no álbum um aperfeiçoamento que não havia antes, como se os Hedgehog tivessem, finalmente, adquirido o domínio e o controlo sobre as suas próprias criações. Dizer que esta música é simplesmente bem feita e produzida de modo competente é negligenciar “o óbvio ululante”, para usar a expressão de Nélson Rodrigues, que nos diz que tudo o que ouvimos em “Sun Fun Gun” (como em qualquer outro disco, já agora) é o resultado de um longo processo de selecção e edição (de ideias, sons, notas, melodias, estéticas). Não há coincidências, e o facto de os Hedgehog optarem por caminhos menos desviantes e transgressores, comparativamente com os que são trilhados por uma boa parte das bandas chinesas “da moda”, todas devidamente “avant garde”, não lhe retira o mínimo mérito.

Da abertura feita por “Heart On Fire” até ao final de “You Guys Rock D22, I Was There Man”, os Hedgehog não deixam pedra sobre pedra: o “rock” corre-lhes nas veias, mesmo quando contemporizam com a pop descomplexada e “teenager” (“Black Kiss”) ou gingona (“Choose Whatever You Want All The Time”). E, sempre, do princípio ao fim, a urgência, o sangue na guelra próprio de quem observa sem ficar impassível “um tempo de rápida mudança, metrópoles cheias de competição”, e se questiona: “Quanto espaço restou para a verdadeira juventude, real e apaixonada, na China do novo século?” É este o discurso dos Hedgehog na apresentação de “Sun Fun Gun”, afinal um manifesto contra os “valores sem valor” ou uma “vida cega e orientada pelo dinheiro”.

Estas palavras deveriam ter uma ressonância profunda na China, mais penetrante do que a que chega apenas aos jovens que “desistem do heroísmo pessoal, dos que nada têm e nada hão-de ganhar”; aos jovens que enchem o D22 nas noites de concertos, nas noites de “amor, solidão, tédio, falhanço, autismo, dor, riso.” Aos que “não querem saber se vivem para o momento ou para o futuro”.

“Sun, Fun, Gun”
Zha Record, 2012
Hedgehog


Publicado no jornal Hoje Macau no dia 14 de Dezembro de 2012

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