Guitarra, baixo e bateria. Nunca foi preciso
muito mais para que se cumprisse o rock’n’roll. Desde The Jimi Hendrix
Experience que a expressão “power trio” se tornou corriqueira para apresentar
bandas com o número de elementos que é exactamente “a conta que Deus fez”,
três.
O simbolismo de união e equilíbrio que aparece
na Santíssima Trindade ou nos três sobrinhos do Pato Donald (como lembra a
sempre cheia de bonomia e democrática Wikipedia) não poderia, claro, escapar ao
mundo da música.
ZO (guitarra), Fun (baixo) e Atom (bateria e
voz) formam a banda que é, na China, talvez a mais prolífica e demonstrativa
das qualidades de um verdadeiro “power trio” (os Carsick Cars serão os mais
conhecidos, mas também os que têm maior apetência para se perderem em
digressões experimentalistas e “shoegazers”, mostrando mais vontade em revolver
mentes do que menear ancas).
Os Hedgehog existem desde 2005 e, até agora,
contam sete álbuns de originais na sua discografia (precisamente, dá um por
ano). O mais recente, “Sun Fun Gun”, é de 2012 e tem sido agraciado com
encómios do género “melhor disco da banda”. Não é caso para menos.
Para os Hedgehog, o disco lançado este ano
representou uma espécie de recomeço. Além de marcar a estreia do baixista Fun
(He Yifan), “Sun Fun Gun” enceta também um rol de colaborações internacionais:
pela primeira vez, recorreram aos créditos de um produtor estrangeiro, John
Grew, e arregimentaram Gillian Rivers (violinista que colaborou com gente tão
diversa como MGMT, Yeah Yeah Yeahs, Mountain Goats, TV On The Radio ou Sonic
Boom, dos Spacemen 3) para um aparição no tema “Choose Whatever You Want All
The Time”. Convocarama, ainda, Yan Yu Long (dos compatriotas Chui Wan) para
tocar violino em “The Loneliest Day”.
Em “Sun Fun Gun”, a carta de intenções dos
Hedgehog mantém-se, no entanto, a mesma de sempre: criar uma sonoridade própria
onde irrompe um forte apelo “pop” que se eleva sólido na estrutura que combina
influências punk, psicadélicas e“noise”. De absolutamente novo, haverá nos no
álbum um aperfeiçoamento que não havia antes, como se os Hedgehog tivessem,
finalmente, adquirido o domínio e o controlo sobre as suas próprias criações.
Dizer que esta música é simplesmente bem feita e produzida de modo competente é
negligenciar “o óbvio ululante”, para usar a expressão de Nélson Rodrigues, que
nos diz que tudo o que ouvimos em “Sun Fun Gun” (como em qualquer outro disco,
já agora) é o resultado de um longo processo de selecção e edição (de ideias,
sons, notas, melodias, estéticas). Não há coincidências, e o facto de os
Hedgehog optarem por caminhos menos desviantes e transgressores,
comparativamente com os que são trilhados por uma boa parte das bandas chinesas
“da moda”, todas devidamente “avant garde”, não lhe retira o mínimo mérito.
Da abertura feita por “Heart On Fire” até ao
final de “You Guys Rock D22, I Was There Man”, os Hedgehog não deixam pedra
sobre pedra: o “rock” corre-lhes nas veias, mesmo quando contemporizam com a
pop descomplexada e “teenager” (“Black Kiss”) ou gingona (“Choose Whatever You
Want All The Time”). E, sempre, do princípio ao fim, a urgência, o sangue na
guelra próprio de quem observa sem ficar impassível “um tempo de rápida
mudança, metrópoles cheias de competição”, e se questiona: “Quanto espaço
restou para a verdadeira juventude, real e apaixonada, na China do novo
século?” É este o discurso dos Hedgehog na apresentação de “Sun Fun Gun”,
afinal um manifesto contra os “valores sem valor” ou uma “vida cega e orientada
pelo dinheiro”.
Estas palavras deveriam ter uma ressonância
profunda na China, mais penetrante do que a que chega apenas aos jovens que
“desistem do heroísmo pessoal, dos que nada têm e nada hão-de ganhar”; aos
jovens que enchem o D22 nas noites de concertos, nas noites de “amor, solidão,
tédio, falhanço, autismo, dor, riso.” Aos que “não querem saber se vivem para o
momento ou para o futuro”.
“Sun,
Fun, Gun”
Zha
Record, 2012
Hedgehog
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