sábado, 8 de agosto de 2015

Num mundo sempre novo: “Cosmic sounds made in Indonesia” (III)


Na Indonésia, os primeiros músicos a invocar os auspícios cósmicos foram os Shark Move, que, em 1970, com o disco “Ghede Chokra’s”, inauguraram o (ainda) exótico rock progressivo “made in Jakarta”. O disco está bem cotado no excelente “progarchives.com”, que regista pouco mais de uma dezena de entradas na categoria de “bandas de rock progressivo da Indonésia”. Hoje, 40 anos depois, o “rock progressivo”, indonésio, britânico ou mexicano, é (ainda) uma coutada exclusiva de uma fina fatia de melómanos, permanecendo olhado com relativo desdém e apupado por falhadas manias grandiloquentes por parte de quase todos os outros.

No entanto, os caminhos da senhora música são misteriosos e, por isso, deve ser sem surpresa que vemos, em 2011, gente como os Mjolnir, trio de Jacarta que faz o que chamam de “electrodisco funk”, reclamar inspiração dos Shark Move.

Nunca, como hoje, os sons “retro” estiveram tanto na moda, sendo usados e abusados para todos os fins nos mais diversos quadrantes musicais. A tendência vem explicada no mais recente livro do jornalista inglês Simon Reynolds, “Retromania: Pop Culture’s Addiction to Its Own Past” (Faber and Faber, 2011), que descreve um universo obcecado pelo passado, comemorações, reunificações de bandas, álbuns de homenagem e etc.

A questão é velha e recorrente: o que fazer quando tudo parece já ter sido inventado? No mundo da música electrónica de dança a resposta vem na forma de “remixes”, “edits” e “re-edits”. Ou seja, vestir com novas roupas velhas ideias e vice-versa.

A meio da década passada vulgarizou-se o termo “Nu Disco”, expressão que define tudo o que possa soar às produções dos finais dos anos 1970 e inícios dos anos 1980: “disco”, “boogie”, “cosmic”, “balearic” e o que mais houver(a). São estas, precisamente, as referências que Ken Adhitya me confessa.

As apresentações: assinando como Midnight Savari, Ken Adhitya (Jacarta) é talvez o mais interessante produtor da nova vaga “nu disco” saída da Indonésia. Com uma mão cheia de máxis originais e outra de remisturas, Midnight Savari é presença assídua nas “playlists” de nomes como Erol Alkan, The Magician (Aeroplane) ou Chris Duckenfield (Swag).

Apesar de ter produzido temas como “Pinisi” ou “Rimshots”, autênticos “floor fillers”, cheios de “synths” espaciais e linhas de baixo gordas e pulsantes, Ken Adhitya revela que, na verdade, não é cliente habitual de discotecas, nem se mostra um particular entusiasta da cena DJ. Para este estudante de arquitectura, a inspiração “vem de tudo o que ouço e experimento”.

Apesar de, na sua música, estarem identificadas todas as referências que definem o “nu disco”, Midnight Savari arrisca incursões para lá dessa zona de conforto, desvendando salutares possibilidades de ruptura que não escaparam aos críticos do sítio electrónico “Resident Advisor”, rendidos a uma música que consegue ser deliciosamente “abrupta e brutal”.

Em 2001, num artigo publicado na nova-iorquina Village Voice, a propósito da cena “underground disco” que então começava a agitar a “Big Apple”, Simon Reynolds alertava que a recusa em cortar com o passado iria impedir novos desenvolvimentos. O jornalista chamava a atenção para a ténue fronteira entre prestar homenagem ao passado e viver nesse mesmo tempo pretérito. A solução? “Um pouco menos de reverência, talvez”, concluía Reynolds. Na Indonésia, a lição, parece, está bem estudada.

Publicado no jornal Hoje Macau no dia 6 de Outubro de 2011 

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