Na Indonésia, os primeiros músicos a invocar
os auspícios cósmicos foram os Shark Move, que, em 1970, com o disco “Ghede
Chokra’s”, inauguraram o (ainda) exótico rock progressivo “made in Jakarta”. O
disco está bem cotado no excelente “progarchives.com”, que regista pouco mais
de uma dezena de entradas na categoria de “bandas de rock progressivo da
Indonésia”. Hoje, 40 anos depois, o “rock progressivo”,
indonésio, britânico ou mexicano, é (ainda) uma coutada exclusiva de uma fina fatia
de melómanos, permanecendo olhado com relativo desdém e apupado por falhadas
manias grandiloquentes por parte de quase todos os outros.
No entanto, os caminhos da senhora música são
misteriosos e, por isso, deve ser sem surpresa que vemos, em 2011, gente como
os Mjolnir, trio de Jacarta que faz o que chamam de “electrodisco funk”,
reclamar inspiração dos Shark Move.
Nunca, como hoje, os sons “retro” estiveram
tanto na moda, sendo usados e abusados para todos os fins nos mais diversos
quadrantes musicais. A tendência vem explicada no mais recente livro do
jornalista inglês Simon Reynolds, “Retromania: Pop Culture’s Addiction to Its
Own Past” (Faber and Faber, 2011), que descreve um universo obcecado pelo
passado, comemorações, reunificações de bandas, álbuns de homenagem e etc.
A questão é velha e recorrente: o que fazer
quando tudo parece já ter sido inventado? No mundo da música electrónica de
dança a resposta vem na forma de “remixes”, “edits” e “re-edits”. Ou seja,
vestir com novas roupas velhas ideias e vice-versa.
A meio da década passada vulgarizou-se o termo
“Nu Disco”, expressão que define tudo o que possa soar às produções dos finais
dos anos 1970 e inícios dos anos 1980: “disco”, “boogie”, “cosmic”, “balearic”
e o que mais houver(a). São estas, precisamente, as referências que Ken Adhitya
me confessa.
As apresentações: assinando como Midnight
Savari, Ken Adhitya (Jacarta) é talvez o mais interessante produtor da nova
vaga “nu disco” saída da Indonésia. Com uma mão cheia de máxis originais e
outra de remisturas, Midnight Savari é presença assídua nas “playlists” de
nomes como Erol Alkan, The Magician (Aeroplane) ou Chris Duckenfield (Swag).
Apesar de ter produzido temas como “Pinisi” ou
“Rimshots”, autênticos “floor fillers”, cheios de “synths” espaciais e linhas
de baixo gordas e pulsantes, Ken Adhitya revela que, na verdade, não é cliente
habitual de discotecas, nem se mostra um particular entusiasta da cena DJ. Para
este estudante de arquitectura, a inspiração “vem de tudo o que ouço e
experimento”.
Apesar de, na sua música, estarem
identificadas todas as referências que definem o “nu disco”, Midnight Savari
arrisca incursões para lá dessa zona de conforto, desvendando salutares
possibilidades de ruptura que não escaparam aos críticos do sítio electrónico
“Resident Advisor”, rendidos a uma música que consegue ser deliciosamente
“abrupta e brutal”.
Em 2001, num artigo publicado na nova-iorquina
Village Voice, a propósito da cena “underground disco” que então começava a
agitar a “Big Apple”, Simon Reynolds alertava que a recusa em cortar com o
passado iria impedir novos desenvolvimentos. O jornalista chamava a atenção
para a ténue fronteira entre prestar homenagem ao passado e viver nesse mesmo tempo
pretérito. A solução? “Um pouco menos de reverência, talvez”, concluía
Reynolds. Na Indonésia, a lição, parece, está bem estudada.
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