Jacarta, Setembro de 2006. Provavelmente no
limite do tédio, fartos das noites sempre iguais nas discotecas da capital
indonésia, repletas de foliões de fim de semana a abanarem-se ao som dos últimos
sucessos saídos directamente de linhas de montagem industriais, três amigos
fundam a editora Space Records.
Com o objectivo de criar uma plataforma de
distribuição da música que eles próprios e outros nas suas órbitas faziam, em
breve, a casa com nome espacial tornar-se-ia no centro de gravidade das forças
independentes e alternativas do campo da música electrónica de dança e
quejandos, funcionando como ponto de equilíbrio da energia criativa que ia
ganhando forma em Jacarta.
Magnanimamente aglutinadora, a Space Records
fez da interacção de ideias e culturas uma máxima e, hoje, é um repositório
fiel ao espírito que brotou da “balearic beat” de Ibiza.
Até agora, são 14 os títulos com selo “Space
Rec”. Apesar de um ou outro nome repetido, no catálogo da editora não há espaço
para repisar ideias. Diferentes sonoridades, modernas e tradicionais, são
cruzadas com recurso a linguagens electrónicas e acústicas. “Dub”, “house”,
“disco”, “dream-pop” e música folclore indonésia servem a inspiração.
A atenção internacional não tardou. Em 2008,
Pattraditya, Jonathan Kusuma e Aryo Adhianto (os três fundadores) foram
contactados pela italiana Pizzico Records, interessada em editar material do
duo Space System (Jonathan Kusuma e Aryo Adhianto). O EP “Master of the Sky”
saiu em Maio de 2010: quatro versões para o mesmo tema, “Master of the Sky”,
com tratamentos que vão desde o psicadelismo relaxado ao “Hi-NRG”, passando
pelo “disco” cósmico e espacial.
Para este ano, aguarda-se o resultado da
colaboração entre os Space System e a lendária dupla de DJ e produtores de
Glasgow, Optimo, que, através da sua Optimo Music, lançaram já, em 2010,
“Sorrow Show EP”, do duo indonésio.
A história dos Space System com os escoceses
JD Twitch e JG Wilkes começou em 2009, depois de Kusuma e Adhianto terem
respondido ao convite que está na página electrónica da Optimo Music, sugerindo
a músicos e produtores o envio de material.
Da Indonésia seguiu para a caixa de correio da
editora escocesa o primeiro disco com chancela Space Records, a compilação
“Mysteries”. Uma boa parte dos nomes fortes da editora estavam lá: Voyagers of
Icarie, Curah Melodia Mandiri ou Svarghi.
Contudo, rezam as crónicas, JD Twitch ficou
particularmente rendido à originalidade do som dos Space System. De “Mysteries”
foi escolhido o tema “Sorrow Show”; do primeiro longa duração dos Space System,
“Nature”, também editado pela Space Records, os escoceses escolheram
“Nocturnal” e “Petik” para fazer parte de “Sorrow Show EP”.
Na promoção do disco, a Optimo Music fala no
que Carl Craig teria feito se fosse natural de Jacarta – “Fourth World Disco”,
sintetizava a editora, para descrever temas como “Petik”, um exercício de
desconstrução “house” com recurso a “gamelan”, um conjunto de instrumentos
típico de Bali e Java.
Além dos elogios, curiosidade e apetite
despertados fora de portas, as experiências em torno do exotismo alterado a que
o colectivo Space Records se dedica são caucionadas também entre a própria
comunidade de músicos tradicionais indonésios.
Um dos mais recentes lançamentos da editora é
“Music Composition by I Wayan Sadra: Beringin Kurung”. I Wayan Sadra é um dos
compositores influentes do país muçulmano mais populoso do Mundo, com currículo
vasto nas experiências com a tradição, abrindo artes populares e tradicionais a
estéticas ocidentais, construindo organismos simultaneamente modernos e de
raízes profundas, locais e universais.
Para Pattraditya, Jonathan Kusuma e Aryo
Adhianto, I Wayan Sadra é, sobretudo, um “professor” e os três, mais a restante
família Space Records, têm mostrado que, na verdade, pouco respeito existe por
um mestre quando se fica seu aluno para sempre, ao procurarem, constantemente,
ultrapassar os limites e alargar os horizontes que herdaram. A lição é, pois,
conhecer bem a terra que se pisa para depois abraçar o Mundo. Como dizia Sun
Ra: “Love and life interested me so that I dared to knock at the door of the
cosmos.” (Continua)
Publicado no jornal Hoje Macau no dia 30 de Setembro de 2011
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