sábado, 8 de agosto de 2015

Num mundo sempre novo: “Cosmic sounds made in Indonesia” (II)


Jacarta, Setembro de 2006. Provavelmente no limite do tédio, fartos das noites sempre iguais nas discotecas da capital indonésia, repletas de foliões de fim de semana a abanarem-se ao som dos últimos sucessos saídos directamente de linhas de montagem industriais, três amigos fundam a editora Space Records.

Com o objectivo de criar uma plataforma de distribuição da música que eles próprios e outros nas suas órbitas faziam, em breve, a casa com nome espacial tornar-se-ia no centro de gravidade das forças independentes e alternativas do campo da música electrónica de dança e quejandos, funcionando como ponto de equilíbrio da energia criativa que ia ganhando forma em Jacarta.

Magnanimamente aglutinadora, a Space Records fez da interacção de ideias e culturas uma máxima e, hoje, é um repositório fiel ao espírito que brotou da “balearic beat” de Ibiza.

Até agora, são 14 os títulos com selo “Space Rec”. Apesar de um ou outro nome repetido, no catálogo da editora não há espaço para repisar ideias. Diferentes sonoridades, modernas e tradicionais, são cruzadas com recurso a linguagens electrónicas e acústicas. “Dub”, “house”, “disco”, “dream-pop” e música folclore indonésia servem a inspiração.

A atenção internacional não tardou. Em 2008, Pattraditya, Jonathan Kusuma e Aryo Adhianto (os três fundadores) foram contactados pela italiana Pizzico Records, interessada em editar material do duo Space System (Jonathan Kusuma e Aryo Adhianto). O EP “Master of the Sky” saiu em Maio de 2010: quatro versões para o mesmo tema, “Master of the Sky”, com tratamentos que vão desde o psicadelismo relaxado ao “Hi-NRG”, passando pelo “disco” cósmico e espacial.

Para este ano, aguarda-se o resultado da colaboração entre os Space System e a lendária dupla de DJ e produtores de Glasgow, Optimo, que, através da sua Optimo Music, lançaram já, em 2010, “Sorrow Show EP”, do duo indonésio.

A história dos Space System com os escoceses JD Twitch e JG Wilkes começou em 2009, depois de Kusuma e Adhianto terem respondido ao convite que está na página electrónica da Optimo Music, sugerindo a músicos e produtores o envio de material.

Da Indonésia seguiu para a caixa de correio da editora escocesa o primeiro disco com chancela Space Records, a compilação “Mysteries”. Uma boa parte dos nomes fortes da editora estavam lá: Voyagers of Icarie, Curah Melodia Mandiri ou Svarghi.

Contudo, rezam as crónicas, JD Twitch ficou particularmente rendido à originalidade do som dos Space System. De “Mysteries” foi escolhido o tema “Sorrow Show”; do primeiro longa duração dos Space System, “Nature”, também editado pela Space Records, os escoceses escolheram “Nocturnal” e “Petik” para fazer parte de “Sorrow Show EP”.

Na promoção do disco, a Optimo Music fala no que Carl Craig teria feito se fosse natural de Jacarta – “Fourth World Disco”, sintetizava a editora, para descrever temas como “Petik”, um exercício de desconstrução “house” com recurso a “gamelan”, um conjunto de instrumentos típico de Bali e Java.
Além dos elogios, curiosidade e apetite despertados fora de portas, as experiências em torno do exotismo alterado a que o colectivo Space Records se dedica são caucionadas também entre a própria comunidade de músicos tradicionais indonésios.

Um dos mais recentes lançamentos da editora é “Music Composition by I Wayan Sadra: Beringin Kurung”. I Wayan Sadra é um dos compositores influentes do país muçulmano mais populoso do Mundo, com currículo vasto nas experiências com a tradição, abrindo artes populares e tradicionais a estéticas ocidentais, construindo organismos simultaneamente modernos e de raízes profundas, locais e universais.

Para Pattraditya, Jonathan Kusuma e Aryo Adhianto, I Wayan Sadra é, sobretudo, um “professor” e os três, mais a restante família Space Records, têm mostrado que, na verdade, pouco respeito existe por um mestre quando se fica seu aluno para sempre, ao procurarem, constantemente, ultrapassar os limites e alargar os horizontes que herdaram. A lição é, pois, conhecer bem a terra que se pisa para depois abraçar o Mundo. Como dizia Sun Ra: “Love and life interested me so that I dared to knock at the door of the cosmos.” (Continua)

Publicado no jornal Hoje Macau no dia 30 de Setembro de 2011



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