“We western pop-makers are like the Brothers Grimm. We scribbled a few
fairy stories a long time ago. And now they're there, transmuted, misunderstood
and built in stone at Tokyo Disneyland, and we're wandering around the theme
park in our frock coats murmuring aloud in wonder 'Did we really start this?'”
Momus, “Shibuya-kei Is Dead”
Na década de 1990,
enquanto no Ocidente meio mundo andava entretido a ressacar do “grunge” ou a
delirar com a “brit-pop”, no Japão, a história da música Pop era transformada
num interminável conto de fadas.
Shibuya, o
“shopping district” por excelência de Tóquio, é o epicentro da fábula que
passou a ser conhecida como “Shibuya-kei”, o “estilo Shibuya”.
Além das inúmeras
lojas que penduravam as últimas tendências da roupa nas suas montras, Shibuya
albergava algumas das lojas de discos com os melhores catálogos do mundo.
O paraíso
consumista era habitado por jovens ávidos das importações que chegavam do
Ocidente. Não se tratava de coleccionismo selectivo; o objectivo era mesmo
comprar tudo o que o dinheiro pudesse, o que no caso de uma boa parte dos
japoneses em questão era bastante, devido à generosidade de papás que
acumularam pequenas fortunas nos bancos ao longo de uma vida pacata só agitada,
aqui e ali, por bonançosos ciclos de prosperidade económica (as crises estavam,
ainda, por vir).
Foi, pois, sem
preconceitos e de mente aberta que muitos destes coleccionadores se tornaram
músicos e vice-versa.
Em Shibuya, como
recorda Nick Currie, músico, escritor e artista britânico conhecido por Momus,
recente residente de Osaka, a moda deixava de o ser a cada 5 minutos e no
preciso momento em que um novo estilo nascia era logo revivido e parodiado.
“Lojas e museus são a mesma coisa, e comprar ou ser curador de uma exposição
são actividades ao mesmo nível de produzir arte”, escreve Momus, num pequeno
ensaio sobre o fenómeno “Shibuya-kei”, por volta de 1997.
De facto, bandas e
nomes como Pizzicato Five, Flipper’s Guitar, Towa Tei, Cornelius, Cibo Matto, Takeshi
Nakatsuka, Fantastic Plastic Machine, Takako Minekawa, Yoshinori Sunahara e
tantos outros têm todos em comum o método que passa por coleccionar, ‘samplar’,
copiar, colar, editar e sintetizar o imenso arquivo Pop ocidental, do presente
e do passado, dos franceses anos “yé-yé” ao House de Chicago, passando pela
Bossa Nova, pelo “lounge” luxuoso de Burt Bacharach, pelo Jazz e por tudo o
mais que fosse “cool” e vendido nas discotecas de Shibuya.
Há que concordar com Momus: “Cultural objects are often so much more
interesting when taken out of context, misunderstood, or fetishised.” No fundo, é este o grande legado do “Shibuya-kei” e do seu enorme
espelho distorcido apontado, em contra luz, ao Ocidente.
A imagem reflectida
foi convenientemente captada na outra extremidade do mundo e artistas como
Dimitri From Paris, Le Hammond Inferno ou o inevitável Momus, e editoras como a
Bungalow, em Berlim, ou a Matador, nos Estados Unidos, souberam converter em
energia a nova vaga japonesa.
Mas, como esperado,
foi no Japão que se sentiu com mais impacto o efeito “Sibuya-kei”, catalisador
de uma verdadeira reestruturação da indústria musical, até então dominada pela
chamada “J Pop”, música exclusivamente cantada em japonês para consumo interno,
de valor artístico altamente discutível ou simplesmente inaudível, consoante o
humor.
Tudo isso mudou a
partir da zona oeste de Tóquio, na década de 1990. O tempo pode já ter passado,
o “Shibuya-kei” pode ter acabado, mas não morreu. Anda por aí. Afinal, sempre
andou e, parece, sempre andará.
Publicado no jornal Hoje Macau no dia 9 de Março de 2012
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