sábado, 8 de agosto de 2015

Numa feira sempre Pop

  
“We western pop-makers are like the Brothers Grimm. We scribbled a few fairy stories a long time ago. And now they're there, transmuted, misunderstood and built in stone at Tokyo Disneyland, and we're wandering around the theme park in our frock coats murmuring aloud in wonder 'Did we really start this?'”

Momus, “Shibuya-kei Is Dead”

Na década de 1990, enquanto no Ocidente meio mundo andava entretido a ressacar do “grunge” ou a delirar com a “brit-pop”, no Japão, a história da música Pop era transformada num interminável conto de fadas.

Shibuya, o “shopping district” por excelência de Tóquio, é o epicentro da fábula que passou a ser conhecida como “Shibuya-kei”, o “estilo Shibuya”.

Além das inúmeras lojas que penduravam as últimas tendências da roupa nas suas montras, Shibuya albergava algumas das lojas de discos com os melhores catálogos do mundo.

O paraíso consumista era habitado por jovens ávidos das importações que chegavam do Ocidente. Não se tratava de coleccionismo selectivo; o objectivo era mesmo comprar tudo o que o dinheiro pudesse, o que no caso de uma boa parte dos japoneses em questão era bastante, devido à generosidade de papás que acumularam pequenas fortunas nos bancos ao longo de uma vida pacata só agitada, aqui e ali, por bonançosos ciclos de prosperidade económica (as crises estavam, ainda, por vir).

Foi, pois, sem preconceitos e de mente aberta que muitos destes coleccionadores se tornaram músicos e vice-versa.

Em Shibuya, como recorda Nick Currie, músico, escritor e artista britânico conhecido por Momus, recente residente de Osaka, a moda deixava de o ser a cada 5 minutos e no preciso momento em que um novo estilo nascia era logo revivido e parodiado. “Lojas e museus são a mesma coisa, e comprar ou ser curador de uma exposição são actividades ao mesmo nível de produzir arte”, escreve Momus, num pequeno ensaio sobre o fenómeno “Shibuya-kei”, por volta de 1997.

De facto, bandas e nomes como Pizzicato Five, Flipper’s Guitar, Towa Tei, Cornelius, Cibo Matto, Takeshi Nakatsuka, Fantastic Plastic Machine, Takako Minekawa, Yoshinori Sunahara e tantos outros têm todos em comum o método que passa por coleccionar, ‘samplar’, copiar, colar, editar e sintetizar o imenso arquivo Pop ocidental, do presente e do passado, dos franceses anos “yé-yé” ao House de Chicago, passando pela Bossa Nova, pelo “lounge” luxuoso de Burt Bacharach, pelo Jazz e por tudo o mais que fosse “cool” e vendido nas discotecas de Shibuya.

Há que concordar com Momus: “Cultural objects are often so much more interesting when taken out of context, misunderstood, or fetishised.” No fundo, é este o grande legado do “Shibuya-kei” e do seu enorme espelho distorcido apontado, em contra luz, ao Ocidente.

A imagem reflectida foi convenientemente captada na outra extremidade do mundo e artistas como Dimitri From Paris, Le Hammond Inferno ou o inevitável Momus, e editoras como a Bungalow, em Berlim, ou a Matador, nos Estados Unidos, souberam converter em energia a nova vaga japonesa.

Mas, como esperado, foi no Japão que se sentiu com mais impacto o efeito “Sibuya-kei”, catalisador de uma verdadeira reestruturação da indústria musical, até então dominada pela chamada “J Pop”, música exclusivamente cantada em japonês para consumo interno, de valor artístico altamente discutível ou simplesmente inaudível, consoante o humor.

Tudo isso mudou a partir da zona oeste de Tóquio, na década de 1990. O tempo pode já ter passado, o “Shibuya-kei” pode ter acabado, mas não morreu. Anda por aí. Afinal, sempre andou e, parece, sempre andará.

Publicado no jornal Hoje Macau no dia 9 de Março de 2012 

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