sábado, 8 de agosto de 2015

O ah! que o som tem



Sete anos depois de “Sensuous”, eis que Cornelius está de volta com um novo disco. Ainda que feito de composições originais, “Design Ah” não encaixa completamente na definição de disco em nome próprio, já que se trata de um projecto encomendado pela televisão pública japonesa, NHK, para que Keigo Oyamada (Cornelius) musicasse um programa intitulado, precisamente, “Design Ah”, uma série educativa dedicada a “repensar os objectos que fazem parte do quotidiano a partir da perspectiva do seu desenho e concepção, por forma a educar crianças e adultos sobre as maravilhas do ‘design’”.

A ideia do programa partiu da colaboração de Taku Satoh, realizador da série e um dos directores do museu 21_21 Design Sight, de Tóquio, com o ‘designer’ Yugo Nakamura e Cornelius, entre outros criativos e artistas, sendo que o trabalho conjunto estendeu-se, ainda, à exposição “Design Ah”, com curadoria de Taku Satoh (já agora: a mostra está patente no museu 21_21 Design Sight até ao próximo dia 2 de Junho).

Como nota a revista italiana Domus no texto sobre a exposição, além de ser a primeira das sílabas no “hiragana”, um dos alfabetos silábicos da língua japonesa, “Ah” é igualmente a mais genuína expressão de espanto que associamos a uma descoberta ou surpresa, não sem algum traço de inocência ou infantilidade.

A sensação de maravilhamento que o programa e a exposição incitam através da procura de um olhar diferente sobre objectos e experiências comuns do dia-a-dia é reproduzida no disco com alta fidelidade pelos 25 temas, que, nunca ultrapassando, cada um, a marca dos dois minutos, compõem uma viagem que suscita mais adjectivos que os minutos que dura (37).

Convocando cúmplices como Minekawa Takako, Ohno Yumiko (Buffalo Daughter), salyu x salyu ou Yakushimaru Etsuko, entre outros, Cornelius propõe uma música que, tal como o programa, ensina a ver – ouvir, neste caso –, pela primeira vez, objectos (sons, melodias) que, de tão presentes, já mal damos por eles. 

Praticamente instrumental, com as vozes a surgirem em fragmentos que, na maioria, repetem, por inúmeras vezes, “Oh” e “Ah”, estamos em território da chamada “música incidental”, acessória, feita propositadamente para acompanhar uma obra teatral, um programa de rádio ou um programa de televisão, entre outros formatos.

Mas esta aproximação de Cornelius à “música de fundo” não é, de todo, depreciativa ou castradora do génio e criatividade do artista que foi buscar o nome ao personagem que, no filme “Planet of the Apes”, de 1968, tem por missão servir de tradutor entre os humanos feitos prisioneiros e os macacos civilizados.

Como noutras produções de Keigo Oyamada, mas aqui talvez numa dose intencionalmente mais concentrada, abunda nas composições-miniatura de “Design Ah” a desconstrução lúdica de algo que tem tanto de vibração sensual como de actividade puramente intelectual, racional.

“Pop”, “funk”, “glitch”, notalgia ou pura diversão, e, sobretudo, a ideia de música funcional, expressão directa de uma intenção, tudo se condensa para caber em cada um dos temas de “Design Ah”, complexamente simples e simplesmente complexos, contendo multitudes e onde aventura e experimentalismo são sinónimos que vão dar à mesma descoberta suposta causar o espanto, tal como intencionado pelos criadores do programa televisivo, com as novas visões acerca das coisas que povoam o quotidiano.

Os sons, na verdade, são outras dessas coisas que nos são diárias. No entanto, é quando são organizados e tratados por Cornelius que a experiência comum se pode converter numa epifania. Pena que não seja todos os dias e que, por vezes, seja preciso esperar sete anos.

“Design Ah”
Warner Music Japan
2013
Cornelius

Publicado no jornal Hoje Macau no dia 22 de Fevereiro de 2013

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