Sete anos depois de “Sensuous”, eis que
Cornelius está de volta com um novo disco. Ainda que feito de composições
originais, “Design Ah” não encaixa completamente na definição de disco em nome
próprio, já que se trata de um projecto encomendado pela televisão pública
japonesa, NHK, para que Keigo Oyamada (Cornelius) musicasse um programa
intitulado, precisamente, “Design Ah”, uma série educativa dedicada a “repensar
os objectos que fazem parte do quotidiano a partir da perspectiva do seu
desenho e concepção, por forma a educar crianças e adultos sobre as maravilhas
do ‘design’”.
A ideia do programa partiu da colaboração de
Taku Satoh, realizador da série e um dos directores do museu 21_21 Design
Sight, de Tóquio, com o ‘designer’ Yugo Nakamura e Cornelius, entre outros
criativos e artistas, sendo que o trabalho conjunto estendeu-se, ainda, à
exposição “Design Ah”, com curadoria de Taku Satoh (já agora: a mostra está
patente no museu 21_21 Design Sight até ao próximo dia 2 de Junho).
Como nota a revista italiana Domus no texto
sobre a exposição, além de ser a primeira das sílabas no “hiragana”, um dos
alfabetos silábicos da língua japonesa, “Ah” é igualmente a mais genuína
expressão de espanto que associamos a uma descoberta ou surpresa, não sem algum
traço de inocência ou infantilidade.
A sensação de maravilhamento que o programa e
a exposição incitam através da procura de um olhar diferente sobre objectos e
experiências comuns do dia-a-dia é reproduzida no disco com alta fidelidade
pelos 25 temas, que, nunca ultrapassando, cada um, a marca dos dois minutos,
compõem uma viagem que suscita mais adjectivos que os minutos que dura (37).
Convocando cúmplices como Minekawa Takako,
Ohno Yumiko (Buffalo Daughter), salyu x salyu ou Yakushimaru Etsuko, entre
outros, Cornelius propõe uma música que, tal como o programa, ensina a ver –
ouvir, neste caso –, pela primeira vez, objectos (sons, melodias) que, de tão
presentes, já mal damos por eles.
Praticamente instrumental, com as vozes a
surgirem em fragmentos que, na maioria, repetem, por inúmeras vezes, “Oh” e
“Ah”, estamos em território da chamada “música incidental”, acessória, feita
propositadamente para acompanhar uma obra teatral, um programa de rádio ou um
programa de televisão, entre outros formatos.
Mas esta aproximação de Cornelius à “música de
fundo” não é, de todo, depreciativa ou castradora do génio e criatividade do
artista que foi buscar o nome ao personagem que, no filme “Planet of the Apes”,
de 1968, tem por missão servir de tradutor entre os humanos feitos prisioneiros
e os macacos civilizados.
Como noutras produções de Keigo Oyamada, mas
aqui talvez numa dose intencionalmente mais concentrada, abunda nas
composições-miniatura de “Design Ah” a desconstrução lúdica de algo que tem tanto
de vibração sensual como de actividade puramente intelectual, racional.
“Pop”, “funk”, “glitch”, notalgia ou pura
diversão, e, sobretudo, a ideia de música funcional, expressão directa de uma
intenção, tudo se condensa para caber em cada um dos temas de “Design Ah”,
complexamente simples e simplesmente complexos, contendo multitudes e onde
aventura e experimentalismo são sinónimos que vão dar à mesma descoberta
suposta causar o espanto, tal como intencionado pelos criadores do programa
televisivo, com as novas visões acerca das coisas que povoam o quotidiano.
Os sons, na verdade, são outras dessas coisas
que nos são diárias. No entanto, é quando são organizados e tratados por
Cornelius que a experiência comum se pode converter numa epifania. Pena que não
seja todos os dias e que, por vezes, seja preciso esperar sete anos.
“Design
Ah”
Warner
Music Japan
2013
Cornelius
Publicado no jornal Hoje Macau no dia 22 de Fevereiro de 2013
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