“Tensão pré-milenar.” A expressão surgiu a
caminho do final da década de 1990 e está cunhada num dos melhores discos
daquele tempo, “Pre-Millenium Tension” (1996), de Tricky, o arauto que
cristalizou o peso carregado pelos músicos que sucumbiram à claustrofobia e
temores do “fim de século” (a propósito, veja-se “Fin de Siècle”, dos Divine
Comedy - outro registo para as mesmas angústias).
Na música de Tricky, os ritmos lentos e
arrastados do trip-hop marcavam o passo da aparição de fantasmas e do relato de
desesperos na primeira pessoa por parte de personagens que povoavam cenários
marcadamente urbanos, futuristas e apocalípticos. O negrume era tal que o virar
do século e dealbar de um novo milénio, sem Armagedão ou “bugs”, foi
simplesmente um alívio.
No curioso diálogo que a história (neste caso,
da música) vai mantendo entre as suas fileiras, logo no início da nova era,
isto é, do novo milénio, apareceu uma expressão que respondia à anterior e pesada
tensão pré-milenar com proporcional dose de alívio descomprometido:
“Electroclash”. Tudo começou em 2001, com o nome de um festival em Nova Iorque,
mas cedo o termo atravessou o Atlântico, aterrando com estrondo na Europa.
O Electroclash era a revisitação do
retro-futurismo que, à data, ainda faltava explorar. Musicalmente, fundia a New
Wave dos anos 1980 com diversos géneros de música electrónica, desde o Electro
ao Hi-NRG, passando pelo Disco e pelo Punk. O verdadeiro “clash” das
civilizações, portanto.
Tão importante quanto a música era a estética,
igualmente retro-futurista e inspirada na ficção científica “naïf” do tempo em
que tudo era, ainda, possível e os computadores tinham nomes e falavam como as
pessoas. Mas mais importante do que a música e a estética era a pose “arty” que
sulcava as diferenças em relação à restante fauna da música electrónica. Humor,
ironia, moda, snobismo, sexo e arte são elementos que, com o Electroclash,
passam a ter lugar de destaque na pista de dança.
Todavia, como se avisa no fabuloso e
presciente nome de uma certa banda inglesa dos anos 1980 - Pop Will Eat Itself
-, o Electroclash acabou por se afogar no caldeirão sem fundo em que entretanto
se tornara. Já num lume muito brando, hoje, o “melting pot” limita-se a um
borbulhar tímido. Ocasionalmente, lá para os lados de Pequim, entra em ebulição.
Quando, em 2001, nascia o Electroclash, LIman
(Cao Pu) produzia para a chinesa Shanshui Records um disco de electrónica
ambiental. Foi só mais tarde, em 2003, que LIman se voltou para a música de
dança. Rapidamente, tornou-se num dos nomes obrigatórios da cena electrónica
chinesa, pelos discos e remisturas que assinou, mas sobretudo pelas poderosas
actuações ao vivo, onde é o protagonista de um circo que dá azo a toda a
parafernália Electroclash: do visual extravagante e vagamente fluorescente à
música sem espartilhos que tanto vai das explosões “grunge” à electrónica
eufórica, tudo misturado (ou deverei dizer triturado?) com a sensibilidade
“caterpillar” de um punk.
Em 2010, na segunda edição do festival de
música electrónica I.N.T.R.O., no bairro 798, em Pequim, o espectáculo de LIman
foi, certamente, o ponto alto do evento para os seus muitos acólitos e para os
incautos curiosos que se juntaram à festa que ia alta num dos palcos
secundários do evento.
O ritmo das batidas rápidas, contínuas e
imponentes, rasgadas pelas linhas electrónicas, sintéticas e ácidas, tanto
servia para saciar o apetite dos que fechavam os olhos em êxtase e dos que
pulavam energicamente, como servia para que outros não deixassem de se espantar
com o que a música faz às pessoas, por certo a categoria onde encaixam os
muitos agentes da polícia (a maioria jovens) que fizeram uma pausa na ronda
para apreciar o circo que LIman montou nas suas barbas. Mais um “clash”
civilizacional, desta feita sem baixas a registar.
O último
disco de Liman, “Originalism” (2011), pode ser escutado aqui:
http://edge.neocha.com/places/beijing/liman-originalism/
Publicado no jornal Hoje Macau no dia 10 de Junho de 2011
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