sábado, 8 de agosto de 2015

The clash



“Tensão pré-milenar.” A expressão surgiu a caminho do final da década de 1990 e está cunhada num dos melhores discos daquele tempo, “Pre-Millenium Tension” (1996), de Tricky, o arauto que cristalizou o peso carregado pelos músicos que sucumbiram à claustrofobia e temores do “fim de século” (a propósito, veja-se “Fin de Siècle”, dos Divine Comedy - outro registo para as mesmas angústias).

Na música de Tricky, os ritmos lentos e arrastados do trip-hop marcavam o passo da aparição de fantasmas e do relato de desesperos na primeira pessoa por parte de personagens que povoavam cenários marcadamente urbanos, futuristas e apocalípticos. O negrume era tal que o virar do século e dealbar de um novo milénio, sem Armagedão ou “bugs”, foi simplesmente um alívio.

No curioso diálogo que a história (neste caso, da música) vai mantendo entre as suas fileiras, logo no início da nova era, isto é, do novo milénio, apareceu uma expressão que respondia à anterior e pesada tensão pré-milenar com proporcional dose de alívio descomprometido: “Electroclash”. Tudo começou em 2001, com o nome de um festival em Nova Iorque, mas cedo o termo atravessou o Atlântico, aterrando com estrondo na Europa.

O Electroclash era a revisitação do retro-futurismo que, à data, ainda faltava explorar. Musicalmente, fundia a New Wave dos anos 1980 com diversos géneros de música electrónica, desde o Electro ao Hi-NRG, passando pelo Disco e pelo Punk. O verdadeiro “clash” das civilizações, portanto.

Tão importante quanto a música era a estética, igualmente retro-futurista e inspirada na ficção científica “naïf” do tempo em que tudo era, ainda, possível e os computadores tinham nomes e falavam como as pessoas. Mas mais importante do que a música e a estética era a pose “arty” que sulcava as diferenças em relação à restante fauna da música electrónica. Humor, ironia, moda, snobismo, sexo e arte são elementos que, com o Electroclash, passam a ter lugar de destaque na pista de dança.

Todavia, como se avisa no fabuloso e presciente nome de uma certa banda inglesa dos anos 1980 - Pop Will Eat Itself -, o Electroclash acabou por se afogar no caldeirão sem fundo em que entretanto se tornara. Já num lume muito brando, hoje, o “melting pot” limita-se a um borbulhar tímido. Ocasionalmente, lá para os lados de Pequim, entra em ebulição.

Quando, em 2001, nascia o Electroclash, LIman (Cao Pu) produzia para a chinesa Shanshui Records um disco de electrónica ambiental. Foi só mais tarde, em 2003, que LIman se voltou para a música de dança. Rapidamente, tornou-se num dos nomes obrigatórios da cena electrónica chinesa, pelos discos e remisturas que assinou, mas sobretudo pelas poderosas actuações ao vivo, onde é o protagonista de um circo que dá azo a toda a parafernália Electroclash: do visual extravagante e vagamente fluorescente à música sem espartilhos que tanto vai das explosões “grunge” à electrónica eufórica, tudo misturado (ou deverei dizer triturado?) com a sensibilidade “caterpillar” de um punk.

Em 2010, na segunda edição do festival de música electrónica I.N.T.R.O., no bairro 798, em Pequim, o espectáculo de LIman foi, certamente, o ponto alto do evento para os seus muitos acólitos e para os incautos curiosos que se juntaram à festa que ia alta num dos palcos secundários do evento.

O ritmo das batidas rápidas, contínuas e imponentes, rasgadas pelas linhas electrónicas, sintéticas e ácidas, tanto servia para saciar o apetite dos que fechavam os olhos em êxtase e dos que pulavam energicamente, como servia para que outros não deixassem de se espantar com o que a música faz às pessoas, por certo a categoria onde encaixam os muitos agentes da polícia (a maioria jovens) que fizeram uma pausa na ronda para apreciar o circo que LIman montou nas suas barbas. Mais um “clash” civilizacional, desta feita sem baixas a registar.


O último disco de Liman, “Originalism” (2011), pode ser escutado aqui: http://edge.neocha.com/places/beijing/liman-originalism/

Publicado no jornal Hoje Macau no dia 10 de Junho de 2011

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