sábado, 8 de agosto de 2015

O exemplo T(h)ree



Em Maio do ano passado foi lançado ao público em Macau e Hong Kong e agora  teve edição oficial em Portugal, cumprindo-se assim o desígnio primeiro de juntar os três territórios. Refiro-me ao disco “T(h)ree - New Musical Roots From Portugal, Hong Kong and Macau”. Relembro: é um projecto que envolve 33 bandas, um total de 100 músicos e 17 temas, todos criados à distância por parelhas que a intuição e o trabalho do produtor David Valentim juntaram. Músicos tocando e trocando ideias com músicos que, na maioria dos casos, nunca viram e nem sequer tinham ouvido.

Do inicial “blind date” a coisa evoluiu até uma relação que solidificou nos tais 17 temas: 17 viagens cruzando a distância entre dois continentes, sintonizando sons de diversos géneros e estilos, aliando talentos de veteranos e de promessas; 17 viagens na companhia de Balla, A Naifa, Hipnótica, O Monstro, Evade, Unixx, Winnie Lau e muitos outros. Outros mundos finalmente encontrados.

Esta heterogeneidade que se saúda sempre é em si mesma um extraordinário mérito deste projecto - um mérito que se traduz na riqueza musical, mas também na riqueza da experiência.

Num tempo em que nos levam a acreditar que o mundo inteiro está ao alcance de um clique, num tempo em que em vez de um mundo temos uma “aldeia global”, a iniciativa de fazer um disco “à distância” entre músicos separados em diferentes pontos do geográficos é um exercício de resistência aos equívocos de que o mundo ficou mais pequeno por causa da globalização e de que a própria globalização é um dado adquirido, uma espécie de direito natural, automático e instantâneo.

“T(h)ree” mostra-nos que o mundo é ainda o lugar de sempre: o mesmo planeta, a Terra com as mesmas geografias, latitudes e longitudes. Tudo permanece longínquo numa distância real, física e imutável, e só haverá “globalização” se houver esta distância - a distância que apenas pode ser virtualmente diminuída.

Além da Taprobana

Outro mérito desta iniciativa é o seu pioneirismo.

No final de 2006, o Goethe-Institut patrocinou um programa de intercâmbios entre produtores de música electrónica oriundos da Alemanha e de vários países do Sudeste Asiático e da Oceânia.

A Alemanha foi o primeiro centro nevrálgico da música electrónica e nos últimos anos voltou a assumir esse papel, com Berlim uma vez mais transformada no “sítio” onde é preciso estar no mundo da “elektronische musik”.

Consciente desse imenso capital, o Goethe-Institut tomou a iniciativa e estendeu a diplomacia cultural à “club culture” e ao Extremo Oriente, o “Novo Mundo” do nosso tempo.

Projectos deste tipo são, felizmente, cada vez mais frequentes, mas não posso deixar de notar quão longe estamos de os imaginar a nascerem em Portugal, onde ainda se “refunda” o Instituto Camões e se entretêm a implementar essa peregrina ideia chamada “acordo ortográfico”. Mesmo contando os séculos de relações com este lado extremamente oriental do mundo, aqui, Portugal continua a ser um país vagamente presente, com poucas políticas ou acções consequentes de promoção do intercâmbio cultural além da “Língua”. Resta a boa vontade individual de cada um que decide deitar mão à obra e dar novos mundos ao mundo.

Foi isso que se fez com esta iniciativa chamada “Three”. Apesar das distâncias, dos entraves, das dificuldades e do apoio que faltou, ou por causa disso tudo – resistir pode ser força motriz –, um projecto raro viu a luz do dia. E isso, para quem gosta de música e, mais do que tudo, horizontes largos, é uma excelente notícia que devia deixar-nos agradecidos e a chorar por mais.

Publicado no jornal Hoje Macau no dia 18 de Fevereiro de 2011




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