Em Maio do ano passado foi lançado ao público em Macau e Hong Kong e agora teve edição oficial em Portugal, cumprindo-se assim o desígnio primeiro de juntar os três territórios. Refiro-me ao disco “T(h)ree - New Musical Roots From Portugal, Hong Kong and Macau”. Relembro: é um projecto que envolve 33 bandas, um total de 100 músicos e 17 temas, todos criados à distância por parelhas que a intuição e o trabalho do produtor David Valentim juntaram. Músicos tocando e trocando ideias com músicos que, na maioria dos casos, nunca viram e nem sequer tinham ouvido.
Do inicial “blind date” a coisa evoluiu até
uma relação que solidificou nos tais 17 temas: 17 viagens cruzando a distância
entre dois continentes, sintonizando sons de diversos géneros e estilos,
aliando talentos de veteranos e de promessas; 17 viagens na companhia de Balla,
A Naifa, Hipnótica, O Monstro, Evade, Unixx, Winnie Lau e muitos outros. Outros
mundos finalmente encontrados.
Esta heterogeneidade que se saúda sempre é em
si mesma um extraordinário mérito deste projecto - um mérito que se traduz na
riqueza musical, mas também na riqueza da experiência.
Num tempo em que nos levam a acreditar que o
mundo inteiro está ao alcance de um clique, num tempo em que em vez de um mundo
temos uma “aldeia global”, a iniciativa de fazer um disco “à distância” entre
músicos separados em diferentes pontos do geográficos é um exercício de
resistência aos equívocos de que o mundo ficou mais pequeno por causa da
globalização e de que a própria globalização é um dado adquirido, uma espécie
de direito natural, automático e instantâneo.
“T(h)ree” mostra-nos que o mundo é ainda o
lugar de sempre: o mesmo planeta, a Terra com as mesmas geografias, latitudes e
longitudes. Tudo permanece longínquo numa distância real, física e imutável, e
só haverá “globalização” se houver esta distância - a distância que apenas pode
ser virtualmente diminuída.
Além da
Taprobana
Outro mérito desta iniciativa é o seu
pioneirismo.
No final de 2006, o Goethe-Institut patrocinou
um programa de intercâmbios entre produtores de música electrónica oriundos da
Alemanha e de vários países do Sudeste Asiático e da Oceânia.
A Alemanha foi o primeiro centro nevrálgico da
música electrónica e nos últimos anos voltou a assumir esse papel, com Berlim
uma vez mais transformada no “sítio” onde é preciso estar no mundo da “elektronische
musik”.
Consciente desse imenso capital, o
Goethe-Institut tomou a iniciativa e estendeu a diplomacia cultural à “club
culture” e ao Extremo Oriente, o “Novo Mundo” do nosso tempo.
Projectos deste tipo são, felizmente, cada vez
mais frequentes, mas não posso deixar de notar quão longe estamos de os
imaginar a nascerem em Portugal, onde ainda se “refunda” o Instituto Camões e
se entretêm a implementar essa peregrina ideia chamada “acordo ortográfico”.
Mesmo contando os séculos de relações com este lado extremamente oriental do
mundo, aqui, Portugal continua a ser um país vagamente presente, com poucas
políticas ou acções consequentes de promoção do intercâmbio cultural além da
“Língua”. Resta a boa vontade individual de cada um que decide deitar mão à
obra e dar novos mundos ao mundo.
Foi isso que se fez com esta iniciativa
chamada “Three”. Apesar das distâncias, dos entraves, das dificuldades e do
apoio que faltou, ou por causa disso tudo – resistir pode ser força motriz –,
um projecto raro viu a luz do dia. E isso, para quem gosta de música e, mais do
que tudo, horizontes largos, é uma excelente notícia que devia deixar-nos
agradecidos e a chorar por mais.
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