domingo, 9 de agosto de 2015

Passado todo este tempo

No ano que agora termina passaram 500 anos desde o primeiro encontro entre Portugal e a China. Em Macau, onde as duas histórias se cruzaram, a efeméride passou quase despercebida, sem cerimónias nem “eventos” oficiais.

Para o bem da sanidade alheia, e até para preservar a dignidade que resta, foi melhor que os sentimentos patrioteiros de trazer na lapela tivessem ficado nos armários, tal como também foi melhor que tivesse sido um “grupo de portugueses” e não um “governo de portugueses” a juntarem-se num sábado destes de Dezembro, frio e chuvoso, junto à estátua de Jorge Álvares, o navegador que nos trouxe até aqui.
Cinco séculos depois, a presença portuguesa em Macau não passa pelas grandes empresas ou pelas grandes marcas, mas sim pelas pequenas e médias aventuras que raramente vão além dos “comes e bebes”, e que vão tendo vida cada vez mais difícil, sobretudo porque o “ambiente de negócios” desta terra só é respirável para magnatas e cadeias internacionais.

A “plataforma” que tanto se ouve, afinal, não serve para os “sectores estratégicos” portugueses, as finanças, as comunicações ou quaisquer outros ramos de actividade que, aqui, se dão por satisfeitos com meros escritórios de representação, consultorias, contactos e uma ou outra “participação” que apenas servem para alimentar um “estatuto”. Mais grave, a presença institucional, salvo honrosas excepções, tem sido caracterizada pela discrição que facilmente se confunde com a tibieza.

É sintomático, também, que 2013 chegue ao fim com o governo português a apresentar como um êxito a concessão de 471 “vistos dourados” a cidadãos não-europeus a troco de investirem em Portugal pouco mais do que 300 milhões de euros, dinheiro gasto principalmente no imobiliário.
Do total dos “vistos gold”, a maioria, 399, foram parar às mãos de chineses. Como se descreve em Pequim, no jornal Global Times, ligado ao Partido Comunista Chinês, Portugal “estende passadeira vermelha aos chineses ricos”. A expressão não podia ser mais exacta.

Em troca da autorização de residência em Portugal e direito de circulação no espaço Shenghen, exige-se apenas uma de três coisas: a compra de uma casa de pelo menos meio milhão de euros, o depósito de um milhão de euros num banco português ou a criação, no mínimo, de dez postos de trabalho (no início deste ano, quando o programa foi apresentado aqui em Macau exigia-se pelo menos 30).

De acordo com rádio pública portuguesa, a Antena 1, o Ministério Público, a Polícia Judiciária, os Serviços de Estrangeiros e Fronteiras e o Serviço de Informações e Segurança (a “secreta” portuguesa que, de resto, lamenta não ter sido chamada a acompanhar este processo) manifestam todos preocupações quanto ao eventual aproveitamento do programa de “vistos dourados” para a lavagem de dinheiro.

Mas nem isso nem estender passadeiras vermelhas incomoda por aí além ou desvia os decididos governantes portugueses de conseguirem “mais valias inequívocas para a economia”. Continuam a ter por desígnio abanar a “árvore das patacas”. Passado todo este tempo.


Publicado no jornal Hoje Macau em Dezembro de 2013 

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