Já foi uma folha de papel, hoje é um ecrã
iluminado. Tremeluz indiferente à impaciência, branco apesar do que se escreve
e apaga, vezes a perder de conta. Quanto mais escrevo, mais apago e quanto mais
apago, mais escrevo. Para apagar, claro. Nada parece ter mais importância ou
significado do que a página em branco. E não tem.
A página em branco mostra e esconde ao mesmo
tempo. Nela vemos e nela perdemos de vista. Não tendo escolhido uma única
palavra, restam disponíveis todas as que se podem escrever. Não estando nenhuma
escrita são ainda possíveis todas as frases. Mas em vez de entusiasmarem, as
possibilidades inquietam. A angústia de uma página em branco transforma-se na
angústia de viver. Ou será o contrário? E se não for nem uma coisa nem outra?
Seria um sossego. Assim seja.
Quando se vive no jornalismo, como se vive num
país ou num planeta, as páginas em branco têm vida curta. O mundo não pára. As
notícias também não. Incessante e crescente, uma enxurrada vem para nos levar e
soterrar. E nós vamos e enterramo-nos. De bom grado. E é este o problema.
Não havendo um botão que desligue o mundo e
essa estranha entidade, a "actualidade", e que depois possa servir
para voltar a ligar, quando e se nos apetecer, estamos dependentes da nossa
vontade - podemos saciar desejos, mas também tornamo-nos reféns de instintos e
vícios, como o de querer saber "o que se passa", a tal
"actualidade" que "acontece". Sem darmos por isso, passa
por nós tudo, indistintamente e sem reflexo. Sem marca. A memória não guarda,
mas esvazia.
"Por mais importante que sejam as
notícias de ontem - os deslizamentos de terra, a descoberta do corpo
meio-escondido de uma jovem mulher, a humilhação de um político todo-poderoso caído
em desgraça - todas as manhãs, toda a cacofonia começa de novo. Um portal de
notícias tem a amnésia institucional do serviço de urgências de um hospital: as
manchas de sangue da noite são passadas a pano e as memórias dos mortos
apagadas". Não há "follow up" que dure para sempre. Alain de
Botton tem razão.
Em "The News: A User's Manual", o filósofo inglês defende uma abordagem epicurista das notícias, ou seja, "a procura dos prazeres moderados para atingir um estado de tranquilidade e de libertação do medo, com a ausência de sofrimento corporal pelo conhecimento do funcionamento do mundo e da limitação dos desejos", como bem se descreve na Wikipedia o legado de Epicuro.
Para Alain de Botton, na impossibilidade de
haver um único dia sem notícias devido a um "extraordinário esforço de
coordenação" por parte da humanidade, temos sempre a opção de renunciar às
notícias a que estamos ligados através do computador ou do telefone, em casa,
no escritório, na rua, no comboio ou no avião, e que são um adversário da
introspecção, impedindo-nos de acalentar pensamentos que, no fundo, podem
ajudar-nos a tornarmo-nos relevantes.
"Precisamos de um alívio da impressão
fomentada pelas notícias de que vivemos numa era de uma importância sem
paralelo, com as nossas guerras, as nossas dívidas, as nossas revoltas, as
nossas crianças desaparecidas, as nossas festas pós-estreia, as nossas OPA e os
nossos mísseis rebeldes".
Não matem o mensageiro, matem a mensagem. E
deixem a página em branco. Sem sangue.
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