Parece o enredo de um mau romance, escusado e
previsível. No entanto, apesar da ausência de surpresa e do desfecho a que
poderíamos ser poupados, não se evita uma ligeira perturbação perante o facto
nu e cru: nos últimos dois anos, quase 40 por cento das empresas de Macau e
Hong Kong lavaram dinheiro.
A conclusão é de um estudo recente da
Pricewaterhouse Coopers, que, pela primeira vez, olha com profundidade para o
crime económico nas duas regiões, descobrindo que, enquanto a média global do
branqueamento de capitais é de 11 por cento, em Macau e Hong Kong essa
percentagem sobe para 37.
Os dados apresentados pela PwC não são
baseados em denúncias anónimas de activistas interessados no colapso do
capitalismo, de políticos pouco patriotas ou de jornalistas abelhudos. No
inquérito, explica a firma de consultoria, participaram altos quadros de 116
empresas dos dois territórios, metade das quais cotadas em bolsa, e 64 por
cento com mais de mil funcionários. Bancos, em Hong Kong, e casinos, em Macau,
são os que mais sofrem.
Em primeira mão, em discurso directo, temos
dirigentes executivos de grandes empresas a darem conta de um problema sobre o
qual são antigas as suspeitas e cuja gravidade as autoridades, pelo menos em
Macau, insistem em refutar, talvez baseando-se na mera meia dúzia de
condenações em tribunal, nos últimos anos, pelo crime de branqueamento de
capitais.
No ano passado, depois de a comissão do Congresso norte-americano encarregue de analisar as relações entre a China e os Estados Unidos ter divulgado um relatório em que referia um “risco significativo” de lavagem de dinheiro em Macau, o Gabinete de Informação Financeira (GIF), ao mesmo tempo que revelava ter havido, em 2012, um aumento de 18 por cento no número de transacções de dinheiro suspeitas, que atingiram as 1840, garantia que não há no território um risco elevado de branqueamento de capitais, exactamente a mesma mensagem o que o Gabinete tem vindo a repetir desde que foi criado, em 2006.
Os dados do GIF mostravam, ainda, que a
maioria (72 por cento) das movimentações duvidosas de dinheiro teve origem em
instituições ligadas ao jogo, sector que o relatório norte-americano estimava
ter um real valor seis vezes superior aos números oficiais – se for tido em conta
o dinheiro que passa por “debaixo da mesa”, os 38 mil milhões de dólares
americanos de receitas apurados no final do ano passado disparam para cerca de
200 mil milhões.
A isto veio o GIF dizer que em Macau existe um
regime “rigoroso” de prevenção do crime de branqueamento de capitais, tal como
“rigoroso” é o sistema de licenciamento para os promotores de jogo, os
“junkets” responsáveis por angariar apostadores milionários a quem prestam
serviços de toda a espécie, incluindo facultar o dinheiro que a China impede de
atravessar fronteiras. “Eppur si muove”...
Como a água, parece ser também da natureza que
o dinheiro encontre sempre o seu caminho. Da imensa China para Macau, essa
porta aberta (que está na etimologia do nome chinês desta terra) por onde passaram
sempre os negócios do império fechado e agora também os do hermético
“capitalismo de estado”, até ao resto do mundo, o dinheiro lá vai cumprindo a
sua evasão. Mas nesta história, ao contrário de quase todas as outras, o que
foge consegue mesmo esconder-se. Está à vista de todos. Só não vê quem não
quer.
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