21 de Outubro de 1981. No mês de todas as
revoluções, Pequim começava uma noite de quarta-feira banhada por sons e luzes
que a capital do império do meio nunca antes imaginara ouvir ou ver.
Passam hoje precisamente 30 anos desde que, pela
primeira vez, um músico ocidental actuou na China comunista. A honra coube ao
francês e pioneiro da música electrónica ambiental Jean Michel Jarre.
Em cima do acontecimento, a Reuters difundia
um telex logo a seguir ao histórico espectáculo. “A China viu hoje o seu
primeiro concerto de rock electrónico”, começava a notícia da agência que
descrevia a audiência “desorientada” e Jean Michel Jarre “encantado” por ter
tocado em Pequim perante 15 mil espectadores que “aplaudiram ocasionalmente”,
mostrando mais interesse no aparato visual dos inúmeros lasers do que na música
estranhamente hipnótica.
No curto despacho da Reuters, referência ainda
para a debandada de quase metade da audiência que encheu o Ginásio dos
Trabalhadores. Não porque não estivessem a gostar do concerto, mas porque os
autocarros de Pequim terminavam as carreiras às dez da noite, ou seja, antes do
final do espectáculo que começou às oito, tendo durado duas horas e 40 minutos.
Quase três horas que foram antecedidas por um
longo processo de negociação e preparação que se tornou mais fácil quando,
ainda em 1981, a embaixada britânica na capital chinesa ofereceu à Rádio Pequim
dois discos de Jean Michel Jarre, “Oxygene” e “Équinoxe”, que tornar-se-iam,
assim, nas primeiras peças de música ocidental tocadas no éter comunista. O
convite para que Jarre tocasse ao vivo na China veio pouco tempo depois.
O compositor, acompanhado de pessoal da sua
editora (Disques Dreyfus), fez várias visitas preparatórias a Pequim, mas nem
por isso a noite da estreia ficou livre de imprevistos.
A imensa parafernália tecnológica de Jean
Michel Jarre era, afinal, demasiado potente para a instalação eléctrica do
Ginásio dos Trabalhadores. Valeu o pragmatismo: conta-se que os oficiais
chineses resolveram a questão cortando a electricidade na vizinhança do estádio
enquanto o concerto decorria.
Os efeitos especiais de luz e som, os
incontáveis sintetizadores, osciladores e processadores eram (e são) a imagem
de marca do futurista Jean Michel Jarre que, na China, utilizou pela primeira
vez em palco um instrumento que, ainda hoje, é “exótico” – a harpa de laser,
que consiste numa série de feixes de luz que reproduzem sons quando bloqueados.
Mais um entre os muitos motivos de admiração para o público chinês.
Quando chegou à China, o francês, filho do
compositor Maurice Jarre, tinha editado três discos que se vendiam aos milhões
em todo o mundo.
Para a fama planetária contribuía ainda a
relação com Charlotte Rampling, a actriz inglesa que acompanhou o então marido
nesta aventura chinesa.
São célebres as imagens do mediático casal em
improvisadas sessões de fotografia nas ruas de Pequim: duas figuras coloridas
em evidente contraste com um fundo monótono, demasiado cinzento.
Tinha sido há apenas 3 anos que a China
começara o processo de reformas económicas que paulatinamente iam abrindo o
país ao exterior.
Depois do restabelecimento das relações
diplomáticas com os Estados Unidos, depois da importação da Coca-Cola... a
música electrónica de Jean Michel Jarre.
Ao todo, o francês deu cinco concertos – dois
em Pequim e três em Xangai, onde o músico recorda um público mais efusivo do
que na capital.
Transmissões na rádio e na televisão chinesas
levaram os sons futuristas de Jean Michel Jarre a 500 milhões de pessoas em
toda a República Popular.
Em 1982, um duplo LP foi lançado com o nome
“Concerts in China”. Tratava-se do registo de um momento histórico para memória
futura que chegou a número um no “top” de vendas português.
“Concerts In China” é um dos pontos altos da
electrónica progressiva e ambiental e também um dos primeiros exemplos de fusão
de sonoridades ocidentais e orientais. Foi isso que Jean Michel Jarre fez, por
exemplo, em “Jonques de Pecheurs au Crepuscule”, um tema tradicional chinês a
que o francês juntou novos travos sintéticos e diferentes arranjos
interpretados pela Orquestra Sinfónica do Conservatório de Pequim. Outros
temas, como “Nuit a Shangai” ou “Orient Express”, reflectem inspiração sínica.
Em 1982, estreou na estação televisiva
britânica ITV o documentário “Jean-Michel Jarre - China Concerts 1981”, que
apenas em 1989 foi editado em vídeo e, até hoje, permanece sem edição oficial
em DVD. As imagens surgem como o complemento óbvio à audição do disco, e ajudam
a dar forma ao imaginário que a música sugere.
No entanto, apesar do som e da imagem,
conceber o que a audiência de há 30 anos pensou e sentiu quando ouviu Jean
Michel Jarre continua a ser um insondável mistério e um desafio ao mais
criativo dos seres.
Publicado no jornal Hoje Macau no dia 21 de Outubro de 2011
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