sábado, 8 de agosto de 2015

Terapia electrónica



Foi em 2009, mais de vinte anos depois da febre “rave” ter varrido a Europa, que a China teve o seu primeiro “festival de música electrónica”, denominação que entretanto surgiu como eufemismo para, em grande parte, designar maratonas de música de dança em que uma multidão se entrega incondicionalmente a DJs e restantes manipuladores de maquinaria avulsa, sob a hipnose induzida pela repetição incessante de ritmos e esboços de melodias.

A estreia chinesa chamou-se, oportunamente, I.N.T.R.O. (Ideias Need To Reach Out). Foi num dos parques do famoso bairro das artes “798”, em Pequim. Oito mil pessoas estiveram lá para ver e ouvir, pela primeira vez, nomes de referência do mundo da electrónica, como M.A.N.D.Y. ou Chris Liebing.

A responsabilidade deste festival pertenceu à Acupuncture Records, a primeira editora chinesa inteiramente dedicada à música de dança electrónica (House e Techno, sobretudo), uma iniciativa de Miao Wong. Como gosta de dizer, é ela a mulher por detrás e à frente da Acupuncture Records.

Na segunda edição do festival I.N.T.R.O., em Maio do ano passado, tive oportunidade de entrevistar a grande dinamizadora da “club scene” da capital chinesa, que apresenta, no próximo dia 21, o terceiro I.N.T.R.O..

Pequim é cidade de grandes, constantes e visíveis mudanças, mas consegue sempre surpreender. No cenário pós-industrial do complexo “798”, aquilo que me impressionou imediatamente foi constatar que havia tantos rostos ocidentais quanto chineses. Miao Wong explicou-me onde estava: “É um reflexo da Pequim de hoje, que está cada vez mais internacional e cosmopolita. Há gente de todo o mundo que traz a sua própria cultura para esta cidade onde tudo se mistura e se influencia. Os  chineses estão a aceitar essas influências e tudo isso está a criar uma Pequim com uma vibração especial.” E assim parecia.

Nas palavras e nos números de Miao Wong, a edição de 2010 foi maior e melhor do que a de 2009. Seguindo a lógica, para o festival deste ano pensou-se em proporções que, se não estivéssemos na China, seriam megalómanas. Desta vez, a festa faz-se no gigantesco Tongzhou Canal Park (um milhão de metros quadrados). O cartaz alinha 80 artistas encabeçados pelo veterano norte-americano Josh Wink e a nova coqueluche francesa, Paul Ritch.

No ano passado, Miao Wong dizia-me que, na China, “a cena da música electrónica é muito recente e ainda luta para sobreviver. À medida que vamos fazendo coisas vamos ficando melhores e vamos diversificando a nossa actividade, mas se queremos desenvolver a cena temos de ser nós a fazê-lo, até que ganhe maturidade.”

E deitar mãos à obra é o que Miao Wong tem feito, de forma incansável.

Foi apenas em 2007 que nasceu a Acupuncture Records. De lá para cá foram muitas as festas e já são três os grandes festivais; neste tempo, uma discoteca (Lantern Club) nasceu, fechou as portas e tornou a abri-las; discos têm sido lançados e conferências promovidas. A “club scene” de Pequim nunca mais foi a mesma, mas haverá ainda muito por fazer nos planos desta jovem laboriosa de Jillin.

Longe de mim vislumbrar no trabalho de Miao Wong e dos seus apaniguados “revoluções” ou a promoção de “sinais de abertura” (os infelizes e recentes acontecimentos na China estão aí para desfazer ilusões). No entanto, é notório que há uma vontade que faz as coisas acontecerem e saúda-se a despretensão de quem quer apenas, e de acordo com o “ar dos tempos”, a liberdade de divulgar a música que gosta, uma música que, ao contrário de muitas outras, apenas faz sentido ouvida na companhia de uma pequena ou uma grande multidão. Celebre-se, pois. Não há mal nisso, pois não?


Publicado no jornal Hoje Macau no dia 6 de Maio de 2011 

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