sábado, 8 de agosto de 2015

Uma conversa no Texas com a “indiechina” em fundo II


No último texto, a conversa da conferência que tinha por título “Why the Global Music Industry Needs China”, no festival norte-americano South by Southwest (SXSW), ficou no ponto em que os intervenientes repetiam as palavras que ouvimos muitas vezes da boca de empresários ocidentais com olho posto no Império do Meio: o negócio da música, na China, “é um investimento e tem que haver uma visão de longo prazo”, pois “as coisas acontecem devagar”, observava Tony Ward, antigo executivo de várias editoras multinacionais sedeado em Hong Kong, cidade a partir da qual dirige a empresa de consultadoria e “marketing” musical Man On the Ground.

Se é verdade que, na China, por regra, o retorno dos investimentos surge a passo de caracol, o mesmo não se pode dizer do ritmo de determinadas dinâmicas sociais.

Tomemos o exemplo dos festivais de música. Há poucos anos, em toda a China havia uns três ou quatro – o primeiro inteiramente dedicado a música electrónica realizou-se em 2009. Actualmente, estima-se que haja cerca de 150 festivais organizados em cidades de todo o país. Esta verdadeira explosão é encarada de forma positiva tanto por parte das bandas chinesas como de bandas estrangeiras.

Neste contexto, parece óbvio que a indústria da música precisa do país mais populoso do mundo. Li Si Si, fundadora da S.T.D. Promotions, uma das maiores empresas de promoção de eventos musicais da China, entende que qualquer indústria verdadeiramente global precisa da China, “um grande mercado de consumo”, para afirmar-se.

Da perspectiva das bandas e das próprias editoras, acrescenta Tony Ward, “as actuações ao vivo são cada vez mais importantes” enquanto fonte de receitas, devido à quebra das vendas de discos. Por isso, “fazer uma digressão na China representa uma grande oportunidade”. No país, observa Ward, há cerca de uma centena de cidades com mais de um milhão de habitantes.

Em muitos aspectos, a China apresenta um crescimento inconsistente, ora pautando-se por mudanças bruscas sem impacto profundo ou duradouro, ora por mudanças de grande significado, mas que demoram demasiado tempo a tomar forma.

Na opinião de Josh Feola, norte-americano que vive na China, onde trabalha na promoção da música experimental e “avant-garde”, há a reter duas mudanças essenciais: por um lado, pela primeira vez na história da música alternativa chinesa, há hoje bandas que reclamam influências de outras bandas chinesas – “um pólo geracional cativa mais jovens” –, algo que Feola considera “prometedor”. Por outro lado, uma mudança ainda mais recente, “com um ano ou menos”, nota Feola, está relacionada com o cada vez maior número de edições e iniciativas feitas de acordo com um princípio “sagrado” dos tempos áureos do Punk, o DIY (“Do It Yourself”).

O fenómeno, diz Feola, é novo, mas está por todo o lado: jovens que estabelecem editoras DIY, que vendem cassetes e discos de vinil que eles próprios editam. Para Feola, o movimento é um sinal de que “estes jovens entendem a música, sobretudo, como uma forma de arte. Valorizam o produto físico, produtos pensados, concebidos do princípio ao fim.” No limite, isto significa que as pessoas vão encarar e pensar na música “como uma forma de expressão”, o que irá atrair “pessoas criativas” para todo este processo.

Esta espécie de regresso às origens que, na China, é transversal a outras expressões artísticas, é bem vista, também, por Charles Saliba, o moderador do debate, e um dos fundadores da editora Maybe Mars, sedeada em Pequim, considerada a segunda maior editora independente da China. Saliba é o primeiro a admitir que a editora “não dá dinheiro”. No entanto, diz, “a criatividade é incrível” e é isso que o faz mexer. Compara o que acontece na China com o que se passa na Europa e nos Estados Unidos, onde “os putos já não olham para os 60 anos de cultura popular, de história do rock, mas apenas ouvem o que está a dar no momento, o que está na moda.” Isso, aponta Saliba, faz com que as bandas soem todas iguais. Na China, isso não acontece, e Saliba dá o exemplo da própria Maybe Mars, em que não há duas bandas com o mesmo tipo de som ou de influências.

O optimismo acabou por ser o tom geral do debate, que contou ainda com a participação de Xi Chen, vocalista da banda Snapline, presente na mais recente edição do SXSW.

Foi Xi que contou que “já há clubes com música ao vivo nos bairros universitários”, uma verdadeira revolução se tivermos em conta que nas universidades chinesas entra-se apenas para duas coisas: estudar e estudar.

O vocalista mostrou-se convencido de que “a mentalidade dos jovens está a mudar no sentido em que estão mais interessados em melhoras, são mais críticos e mais participativos”.
Mas, quando vão os putos americanos e europeus ter quatro ou cinco bandas chinesas nos seus leitores de mp3?

Publicado no jornal Hoje Macau no dia 18 de Maio de 2012 

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