No último texto (“Requiem para um novo mundo”,
“h” de 18 de Novembro), falou-se de Singapura como paradigma dos tempos
modernos a propósito de uma viagem musical ao passado imaginado pela memória.
Sem sair dos limites da cidade-estado, avancemos, agora, para o futuro.
Tema omnipresente na história da música
electrónica, talvez o campo mais dado à experimentação e à adivinhação dos ares
de tempos vindouros, o “futuro” é mesmo a ideia que está na génese do género só
tornado possível pelo advento e constante aperfeiçoamento da tecnologia, esse
instrumento de e do futuro. Daí se justifica, também, que uma boa parte da
música electrónica seja refém dessa relação auto-referencial que mantém com o
seu próprio código e linguagem.
Mas, mesmo confinada ao solipsismo pelos
limites da tecnologia enquanto instrumento operado pela técnica, mais do que
pela criatividade, a música electrónica tem, na sua natureza minimal, binária e
quase funcional, o poder de confundir e, mais importante, o poder de sugerir. Less is more, de facto.
Foi partindo destas premissas que Xhin (Lee
Xhin) começou a produzir música no início da década de 2000. Com o tempo, além
de produtor e DJ, Xhin começou a ser muitas vezes apresentado como “sound
designer”, o que nos leva de volta à tal relação auto-referencial que a música
electrónica alimenta com a sua própria natureza: experimentar com os limites do
instrumento chamado tecnologia.
No caso do singapurense, essa vertente do
“desenho do som” é, realmente, um traço distintivo óbvio. Xhin faz da sua
música uma ode ao detalhe e à minúcia.
Em alguma fase do processo criativo deste
produtor haverá um esqueleto, uma ossatura minimal que, no entanto, perde
definição a partir do momento em que começam a ganhar forma as complexas
estruturas que amontoam camadas em dinâmicas vertiginosas, sem que, de modo
algo desconcertante, o edifício alguma vez pareça periclitante.
Este “modus operandi” que se afasta das
estruturas convencionais do Techno foi aprimorado para “Sword”, o terceiro
longa-duração de Xhin, publicado neste mês de Novembro pela editora
Stroboscopic Artefacts, de Berlim.
Ao longo de 50 minutos, Xhin convoca
influências que remontam ao “dark industrial” que se fazia no centro da Europa
dos anos 1980 e ao Electro subaquático dos lendários Drexciya, mas também se
pressentem nitidamente neste som tridimensional os padrões rítmicos
experimentais dos Autechre ou a urgência maquinal de Aphex Twin. Que Xhin
aguente estes espíritos nos mesmos confins é tarefa espinhosa que merece o
reconhecimento dos especialistas. O site Resident Advisor, por exemplo, destaca
como denominador comum dos dez temas de “Sword” “a capacidade de chocar,
maravilhar e impressionar, quer Xhin nos apresente uma canção de embalar, quer
tente perfurar o nosso cérebro”. Mas não vos assusteis com a retórica.
Ainda que o desejo que Xhin demonstra em criar
rupturas com convenções e tradições afaste deste disco os (muitos) que procuram
no Techno apenas música funcional que se conforma às mais primárias expectativas,
o caminho desbravado e a recompensa sensorial de quem se atreve a acompanhar a
odisseia sónica mais do que justifica o sacrifício de uma eventual obscuridade.
No fundo, o futuro não passa de um infinito buraco negro.
“Sword”
Xhin
Stroboscopic
Artefacts, 2011
Publicado no jornal Hoje Macau no dia 25 de Novembro de 2011
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