sábado, 8 de agosto de 2015

Uma espada apontada ao futuro


No último texto (“Requiem para um novo mundo”, “h” de 18 de Novembro), falou-se de Singapura como paradigma dos tempos modernos a propósito de uma viagem musical ao passado imaginado pela memória. Sem sair dos limites da cidade-estado, avancemos, agora, para o futuro.

Tema omnipresente na história da música electrónica, talvez o campo mais dado à experimentação e à adivinhação dos ares de tempos vindouros, o “futuro” é mesmo a ideia que está na génese do género só tornado possível pelo advento e constante aperfeiçoamento da tecnologia, esse instrumento de e do futuro. Daí se justifica, também, que uma boa parte da música electrónica seja refém dessa relação auto-referencial que mantém com o seu próprio código e linguagem.

Mas, mesmo confinada ao solipsismo pelos limites da tecnologia enquanto instrumento operado pela técnica, mais do que pela criatividade, a música electrónica tem, na sua natureza minimal, binária e quase funcional, o poder de confundir e, mais importante, o poder de sugerir. Less is more, de facto.
Foi partindo destas premissas que Xhin (Lee Xhin) começou a produzir música no início da década de 2000. Com o tempo, além de produtor e DJ, Xhin começou a ser muitas vezes apresentado como “sound designer”, o que nos leva de volta à tal relação auto-referencial que a música electrónica alimenta com a sua própria natureza: experimentar com os limites do instrumento chamado tecnologia.

No caso do singapurense, essa vertente do “desenho do som” é, realmente, um traço distintivo óbvio. Xhin faz da sua música uma ode ao detalhe e à minúcia.

Em alguma fase do processo criativo deste produtor haverá um esqueleto, uma ossatura minimal que, no entanto, perde definição a partir do momento em que começam a ganhar forma as complexas estruturas que amontoam camadas em dinâmicas vertiginosas, sem que, de modo algo desconcertante, o edifício alguma vez pareça periclitante.

Este “modus operandi” que se afasta das estruturas convencionais do Techno foi aprimorado para “Sword”, o terceiro longa-duração de Xhin, publicado neste mês de Novembro pela editora Stroboscopic Artefacts, de Berlim.

Ao longo de 50 minutos, Xhin convoca influências que remontam ao “dark industrial” que se fazia no centro da Europa dos anos 1980 e ao Electro subaquático dos lendários Drexciya, mas também se pressentem nitidamente neste som tridimensional os padrões rítmicos experimentais dos Autechre ou a urgência maquinal de Aphex Twin. Que Xhin aguente estes espíritos nos mesmos confins é tarefa espinhosa que merece o reconhecimento dos especialistas. O site Resident Advisor, por exemplo, destaca como denominador comum dos dez temas de “Sword” “a capacidade de chocar, maravilhar e impressionar, quer Xhin nos apresente uma canção de embalar, quer tente perfurar o nosso cérebro”. Mas não vos assusteis com a retórica.

Ainda que o desejo que Xhin demonstra em criar rupturas com convenções e tradições afaste deste disco os (muitos) que procuram no Techno apenas música funcional que se conforma às mais primárias expectativas, o caminho desbravado e a recompensa sensorial de quem se atreve a acompanhar a odisseia sónica mais do que justifica o sacrifício de uma eventual obscuridade. No fundo, o futuro não passa de um infinito buraco negro.

“Sword”
Xhin

Stroboscopic Artefacts, 2011

Publicado no jornal Hoje Macau no dia 25 de Novembro de 2011

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