São onze e meia da noite. Estamos na rua. Um
homem diz algo vagamente perceptível, em inglês. Ouve-se a porta de um carro a
fechar. Passos. Há mais pessoas a falar, em inglês e em mandarim, homens e
mulheres. “11:30 PM”. A festa está prestes a começar. Estamos em Xangai. Alguém
pergunta: “Hello, B6, mate, how are you?” A resposta, como se fosse evidente e
desnecessária, não chega e, em vez dela, há outra pergunta pronta a sair:
“What’s up?”, que se ouve em eco até ser engolida pelo ritmo de “Days of the
Weird Beginning”, a segunda faixa de “Post Haze”, o primeiro e, até à data,
único longa-duração de B6, o mais interessante dos produtores da música
electrónica “made in China”.
Lou Nanli (樓南立), nativo de
Xangai, é hiperactivo à moda do século XXI, ou seja, está sempre a mexer-se,
metido em alguma coisa.
Ainda adolescente, estabeleceu a sua própria
editora, Isolation Music. A partir daí dedicou-se a criar música electrónica
experimental, instalações sonoras, techno, downtempo, synth-pop e quejandos. Ao
mesmo tempo, desenvolveu a actividade de designer gráfico, profissão que aliou
à música sendo o autor de inúmeras capas de discos de outros artistas da imensa
China alternativa.
Mas foi sempre a música que fluiu, de tal modo
que, em 2006, B6 viu-se compelido a coligir o material que havia disperso em
vários EP numa só edição – “B6 Box”.
No ano seguinte, juntamente com Wu Jianjing (吴建京), também
conhecido por JJay Wu, B6 formou o projecto I-GO. Não foi a primeira
colaboração de B6, mas foi, sem dúvida, a mais bem conseguida.
Com apenas um disco, “Synth Love” (Modern Sky,
2007), os I-GO mostraram o que aprenderam (e bem) com mestres como Kraftwerk,
Gary Numan, Depeche Mode ou, mais recentemente, Junior Boys, e como se fazem
canções de forte apelo pop e de travo sintético e electrónico.
Em 2008, B6 publicou o seu primeiro LP a solo,
“Post Haze”, uma vez mais através da editora de Pequim Modern Sky.
O disco está construído como os bons “DJ
sets”, isto é, segue uma cronologia, uma sequência marcada pelo compasso dos
ritmos, mas também pela cadência dos rituais. Assim, é apenas natural que tudo
comece ainda no exterior da festa, na tal rua onde estivemos no início deste
texto, mesmo à porta do clube onde tudo se irá passar.
Depois de alguma contemporização inicial,
apenas agitada pelo “acid” que se ouve em “Philo”, à quarta música o disco
começa a levantar voo.
“Take You With a Sigh” é o primeiro tema
apontado sem hesitações às pistas de dança. Techno do minimal encorpado por um
“groove” tentador e hipnótico. A seguir, “Night On Earth” é a deixa ideal para
os momentos de transição que os bons DJ sabem introduzir nas noites, espécies
de interlúdios que, normalmente, trazem a antecipação de mudanças profundas.
Dito e feito.
“Blind Leading the Blissed” marca a entrada
num período mais tardio da noite, alterado, inquieto, carregado de linhas
sintéticas que soam como alarmes desesperados por atenção. Mas a noite já vai
longa.
Chegamos a “Red Sky”, o ponto alto do disco e
da noite, um portentoso monumento “techno”, “deep” e progressivo, um crescendo
irresistível até ao desejado clímax. “Everytime I close my eyes, I can see you,
red sky”, ouve-se dizer uma voz que nos chega das alturas, de longe.
A noite vai demasiado longa. Talvez o dia já tenha
nascido e, em vez do céu escuro, haja um outro, um “red sky”. Tempo de
abandonar o clube e enfrentar a crua e cruel luz do dia. De volta à outra
realidade, perguntamo-nos: para onde vão as luzes que se apagam? Para onde vai
a música quando acaba?
Publicado no jornal Hoje Macau no dia 17 de Fevereiro de 2012
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