sábado, 8 de agosto de 2015

Uma noite a 125 batidas por minuto




São onze e meia da noite. Estamos na rua. Um homem diz algo vagamente perceptível, em inglês. Ouve-se a porta de um carro a fechar. Passos. Há mais pessoas a falar, em inglês e em mandarim, homens e mulheres. “11:30 PM”. A festa está prestes a começar. Estamos em Xangai. Alguém pergunta: “Hello, B6, mate, how are you?” A resposta, como se fosse evidente e desnecessária, não chega e, em vez dela, há outra pergunta pronta a sair: “What’s up?”, que se ouve em eco até ser engolida pelo ritmo de “Days of the Weird Beginning”, a segunda faixa de “Post Haze”, o primeiro e, até à data, único longa-duração de B6, o mais interessante dos produtores da música electrónica “made in China”.

Lou Nanli (樓南立), nativo de Xangai, é hiperactivo à moda do século XXI, ou seja, está sempre a mexer-se, metido em alguma coisa.

Ainda adolescente, estabeleceu a sua própria editora, Isolation Music. A partir daí dedicou-se a criar música electrónica experimental, instalações sonoras, techno, downtempo, synth-pop e quejandos. Ao mesmo tempo, desenvolveu a actividade de designer gráfico, profissão que aliou à música sendo o autor de inúmeras capas de discos de outros artistas da imensa China alternativa.

Mas foi sempre a música que fluiu, de tal modo que, em 2006, B6 viu-se compelido a coligir o material que havia disperso em vários EP numa só edição – “B6 Box”.

No ano seguinte, juntamente com Wu Jianjing (吴建京), também conhecido por JJay Wu, B6 formou o projecto I-GO. Não foi a primeira colaboração de B6, mas foi, sem dúvida, a mais bem conseguida.
Com apenas um disco, “Synth Love” (Modern Sky, 2007), os I-GO mostraram o que aprenderam (e bem) com mestres como Kraftwerk, Gary Numan, Depeche Mode ou, mais recentemente, Junior Boys, e como se fazem canções de forte apelo pop e de travo sintético e electrónico.

Em 2008, B6 publicou o seu primeiro LP a solo, “Post Haze”, uma vez mais através da editora de Pequim Modern Sky.

O disco está construído como os bons “DJ sets”, isto é, segue uma cronologia, uma sequência marcada pelo compasso dos ritmos, mas também pela cadência dos rituais. Assim, é apenas natural que tudo comece ainda no exterior da festa, na tal rua onde estivemos no início deste texto, mesmo à porta do clube onde tudo se irá passar.

Depois de alguma contemporização inicial, apenas agitada pelo “acid” que se ouve em “Philo”, à quarta música o disco começa a levantar voo.

“Take You With a Sigh” é o primeiro tema apontado sem hesitações às pistas de dança. Techno do minimal encorpado por um “groove” tentador e hipnótico. A seguir, “Night On Earth” é a deixa ideal para os momentos de transição que os bons DJ sabem introduzir nas noites, espécies de interlúdios que, normalmente, trazem a antecipação de mudanças profundas. Dito e feito.

“Blind Leading the Blissed” marca a entrada num período mais tardio da noite, alterado, inquieto, carregado de linhas sintéticas que soam como alarmes desesperados por atenção. Mas a noite já vai longa.

Chegamos a “Red Sky”, o ponto alto do disco e da noite, um portentoso monumento “techno”, “deep” e progressivo, um crescendo irresistível até ao desejado clímax. “Everytime I close my eyes, I can see you, red sky”, ouve-se dizer uma voz que nos chega das alturas, de longe.

A noite vai demasiado longa. Talvez o dia já tenha nascido e, em vez do céu escuro, haja um outro, um “red sky”. Tempo de abandonar o clube e enfrentar a crua e cruel luz do dia. De volta à outra realidade, perguntamo-nos: para onde vão as luzes que se apagam? Para onde vai a música quando acaba?

Publicado no jornal Hoje Macau no dia 17 de Fevereiro de 2012 

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